segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Batman, o contra-revolucionário


JUVENTUDE CONSERVADORA DA UNB



ATENÇÃO: O TEXTO A SEGUIR CONTÉM SPOILERS DO FILME “BATMAN: O CAVALEIRO DAS TREVAS RESSURGE”
Certamente este texto parecerá absurdamente estranho para aqueles que estão mais acostumados a ler o blog. Haverá aqueles que torcerão o nariz ao verem uma pretensa análise político-filosófica de um blockbusterhollywoodiano baseado em uma história em quadrinhos, considerando isso ora um arroubo de superficialidade frívola, ora uma tremenda “forçação de barra” que mistura cultura pop com pseudo-intelectualidade conservadora. No entanto, ele se faz bastante necessário, e entenderão aqueles que tenham assistido ao filme e que entendam minimamente de filosofia política.

Muito provavelmente, Christopher Nolan, diretor e co-roteirista da mais recente trilogia cinematográfica do Homem-Morcego (interpretado por Christian Bale), jamais teve a pretensão de fazer um filme filosófica e politicamente orientado sob o disfarce de película de altíssimo apelo comercial. Todavia, fica claro que Nolan teve o cuidado de tecer uma trama que não fosse superficial ou óbvia: conflitos e dilemas morais permeiam todo o filme, do início ao fim, e simbolizam, sob diversos aspectos, o ressurgimento ao qual alude o título. Acidentalmente (ou não), o enredo de “Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge” enfoca uma das grandes verdades da história humana: a essência perversa da mente revolucionária.

O vilão do filme, ao contrário do que possa parecer, não é o impiedoso Bane (Tom Hardy), ou a fatal Talia al Ghul – disfarçada como a empresária Miranda Tate (Marion Cotillard) –, mas a crença de que a única alternativa para purgar a corrupção e a decadência da sociedade atual é reduzi-la a pó de modo a construir uma nova sociedade, baseada em um novo homem. Esse processo de “destruição criativa” se dá através da violência tanto física quanto simbólica  e moral: não basta explodir prédios, sequestrar, roubar ou matar, mas é imprescindível disseminar o caos, solapar as instituições e inocular profundamente nos indivíduos o veneno revolucionário. O vilão do filme não é feito de carne, mas de ideias; não é um corpo, mas um espírito: o espírito da revolução.

Bane
Bane e Talia são os líderes da Liga das Sombras, fundada por Ra’s al Ghul (Liam Neeson). O objetivo principal da Liga das Sombras é combater a “degenerescência moral” onde estiver, utilizando, para isso, todos os meios disponíveis. Para a Liga das Sombras, nenhum meio é ilícito ou imoral em si mesmo: o que define sua ilicitude ou imoralidade são os objetivos que se almeja através de seu uso. Os membros da Liga são profundamente comprometidos com esse ideal, chegando a extremos de sacrifício – como o sicário de Bane que, voluntária e alegremente, permanece no avião da CIA que é derrubado no Uzbequistão, na primeira cena do filme. O próprio Bane mostra-se o vilão mais perigoso dos três filmes de Batman justamente por causa de sua obsessão idealista: todos os seus esforços, por menores que sejam, estão plenamente dirigidos para a concretização do projeto revolucionário da Liga das Sombras; nenhum de seus movimentos é desperdiçado em interesses e problemas secundários, pois todo o seu ser está devotado à causa.

Outra característica marcante de Bane é a crença sólida na superioridade moral sua e de sua causa: a única saída para combater a decadência e as injustiças presentes na sociedade de Gotham é destruir todos os valores, instituições e credos “corruptos”. O paciente está doente, mas a cura não reside na escolha do remédio mais amargo, mas na morte. As cenas de perseguições, assassinatos públicos, saques e julgamentos sumários são perturbadoramente idênticas àquelas que foram vistas em todos os processos revolucionários dos últimos 300 anos – na Revolução Francesa, na Comuna de Paris, na Revolução Bolchevique, e tantas outras. Lugar simbolicamente poderoso é a “suprema corte” revolucionária – comandada pelo Dr. Jonathan Crane (Cillian Murphy), mais conhecido como Espantalho, cuja droga alucinógena criada por si vitimou-o no primeiro filme da trilogia –, em que, a bem da verdade, os réus eram levados não para serem julgados, mas apenas para escutarem a sentença e escolherem entre o exílio e a morte.
O paralelismo entre os processos revolucionários que já atingiram a civilização ocidental e a hecatombe promovida pela Liga das Sombras no filme “Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge” não para por aí. Ao promover a morte e a destruição no estádio de futebol americano de Gotham, Bane, dirigindo-se à multidão estarrecida e amedrontada, defende que eles não são novos opressores, mas libertadores, aqueles que farão com que os cidadãos de Gotham cumpram o destino ao qual foram chamados e tomem nas próprias mãos as rédeas não só de suas vidas, mas da vida da própria sociedade. Essa ideia enganosa é reforçada pela alegação de que o controle da bomba nuclear, que está em posse da Liga das Sombras, encontra-se nas mãos de uma pessoa comum, alguém “do povo”, e que, portanto, é o próprio povo que tem o controle sobre a situação. O mesmo discurso, em essência, tem sido utilizado ad nauseam por todos os líderes revolucionários que já pisaram e que ainda pisarão sobre a face da terra: a expropriação, o derramamento de sangue, os expurgos, tudo isso não são métodos violentos e opressivos para dobrar as pessoas, mas perfazem a libertação de que elas necessitam.

O terror revolucionário e sua perigosa obsessão pela “destruição criativa” são mais fortes do que os valores tradicionais sobre os quais a sociedade se erigiu – e que são representados pelo símbolo que é o Batman? Sim e não. O apelo sensacionalista e o potencial de deturpação pertencentes àqueles conseguem, num primeiro momento, grande aceitação junto à massa ignara; é como se, de fato, a superioridade moral da Liga das Sombras se manifestasse na ausência de amarras da velha moral e no seu esforço de pulverizar a velha sociedade. No entanto, a própria situação criada pela Liga das Sombras torna-se, com o passar do tempo, insustentável; os absurdos brotam, as máscaras caem, as verdadeiras intenções ficam expostas à incômoda luz da verdade.

Essa exposição, todavia, não acontece por si mesma, não é automática: ela necessita de agentes, é fruto de um ato positivo da vontade daqueles que sabem que, a despeito da degenerescência da sociedade, os valores tradicionais sobre os quais ela foi erigida são verdadeiros e perenes. Batman, por mais que seja um símbolo da luta pela manutenção desses valores, não é um símbolo que se sustenta por si mesmo: o comissário James Gordon (Gary Oldman), o detetive John Blake (Joseph Gordon-Levitt), o cientista Lucius Fox (Morgan Freeman), até mesmo o mordomo Alfred J. Pennyworth – que, em minha opinião, é o melhor personagem da trilogia, interpretado brilhantemente por Michael Caine –, bem como todos aqueles que voluntariamente se dispõem a lutar por esses valores, unem suas forças não apenas para dar o suporte necessário ao símbolo representado por Batman, mas também para trazer à luz as sinceras intenções da revolução.

Por que “Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge” é um filme ao qual todo conservador deve assistir? Porque a sociedade ocidental está passando por um longo, sutil e aterrador processo revolucionário. Enquanto os líderes dessa revolução seduzem os incautos com seu afinadíssimo canto de sereia, violências as mais cruéis são cometidas diuturnamente contra aqueles que decidem ater-se aos valores tradicionais, relegados a nós há séculos, em nome de um novo mundo, de uma nova sociedade, enfim, de um novo homem. A soberania nacional dá lugar a um proto-autoritarismo supranacional, a inversão de valores é institucionalizada e aplicada com todo o rigor da lei, a objetividade da lei moral é substituída pelo subjetivismo discricionário, e, pouco a pouco, caminhamos rumo ao caos que, benevolamente, os revolucionários creem ser a “destruição criativa” necessária à fundação de um novo mundo.

As lições de determinação, firmeza, lealdade e honra de “Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge” são inspiradoras para os poucos que ainda ousam resistir a esse mundo em colapso. E, certamente, a lição mais importante é: combater o espírito revolucionário é uma tarefa à qual devem se dedicar todos os que optaram pelos valores tradicionais. Nunca é demais lembrar que, em uma situação de guerra – exatamente o que estamos vivendo –, só há dois caminhos a se trilhar: o de vítimas indefesas ou de combatentes resolutos. Os valores que nos deram a vida que temos merecem que nos dediquemos à sua preservação, ainda que isso custe nossas próprias vidas. Não é uma decisão fácil, mas é inelutavelmente necessária. Não devemos fazê-lo apenas por nós mesmos: devemos fazê-lo por aqueles que deram seu sangue para que cheguemos até aqui, honrando sua memória e sua luta, e por aqueles que ainda virão, de modo que o mundo que herdem de nós seja menos perigoso, menos venenoso e mais afastado de diabólicos anseios revolucionários.

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