quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Basta! Fora!

Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 11 de junho de 2015


Volto a explicar, agora ponto por ponto, a catástrofe estratégica monstruosa com que o PT destruiu a si mesmo e à nação.

1. No incipiente capitalismo brasileiro, as grandes empresas são quase sempre sócias do Estado, o único cliente que pode remunerá-las à altura dos serviços que prestam.

2. Por isso elas acabam se incorporando ao “estamento burocrático” de que falava Raymundo Faoro: o círculo dos “donos do poder”, que fazem da burocracia estatal o instrumento dócil dos seus interesses grupais, em vez da máquina administrativa impessoal e científica que ela é nas democracias normais.

3. Nesse sentido, o sistema econômico brasileiro não é capitalista nem socialista, mas sim patrimonialista, como destacaram, além do próprio Faoro, vários estudiosos de orientação liberal, entre os quais Ricardo Velez Rodriguez, Antonio Paim e o embaixador J. O. de Meira Penna.

4. Nos anos 70 do século passado os intelectuais de esquerda que sonhavam em formar um grande partido de massas tomaram conhecimento do livro de Raymundo Faoro, Os Donos do Poder. Formação do Patronato Político Brasileiro, então lançado em aumentadíssima segunda edição, e entenderam que o curso normal da revolução brasileira não deveria ser propriamente anticapitalista, mas antipatrimonialista: o ponto focal do combate já não seria propriamente “o capitalismo”, e sim – com nomes variados — o “estamento burocrático”.

5. A definição do alvo era corretíssima, mas, ao mesmo tempo, o partido, como aliás toda a esquerda nacional, estava intoxicado de gramscismo e ansioso por tomar o poder por meio dos métodos do fundador do Partido Comunista Italiano, que preconizavam a infiltração generalizada e a “ocupação de espaços” destinadas a criar a “hegemonia”, isto é o controle do imaginário popular, da cultura, de modo a fazer do partido “o poder onipresente e invisível de um imperativo categórico, de um mandamento divino”.

6. A aplicação do esquema gramscista obteve mais sucesso no Brasil do que em qualquer outro país do mundo. Por volta dos anos 80, o modo comunopetista de pensar já havia se tornado tão habitual e quase natural entre as classes falantes no país, que os liberais e conservadores, inimigos potenciais dessa corrente, abdicaram de todo discurso próprio e, para se fazer entender, tinham de falar na linguagem do adversário, reforçando-lhe a hegemonia ideológica, mesmo quando obtinham sobre ele alguma modesta vitória eleitoral em troca. Entre os anos 90 e a década seguinte, toda política “de direita” havia desaparecido do cenário público, deixando o campo livre para a concorrência exclusiva entre frações da esquerda, separadas pela disputa de cargos apenas, sem nenhuma divergência séria no terreno ideológico ou mesmo estratégico.

7. O sucesso da operação produziu sem grandes dificuldades a vitória eleitoral de Lula numa eleição presidencial na qual, como ele próprio reconheceu, todos os candidatos eram de esquerda, o que canalizava os votos quase espontaneamente na direção daquele que personificasse o esquerdismo da maneira mais consagrada e mais típica.

8. Com Lula na Presidência, intensificou-se formidavelmente a “ocupação de espaços”, fortalecendo a hegemonia ao ponto de levar ao completo aparelhamento da máquina estatal pelo comando comunopetista, que ao mesmo tempo precisava da ajuda das grandes empresas para cumprir o compromisso assumido no Foro de São Paulo, coordenação estratégica da política comunista no continente, no sentido de amparar e salvar do naufrágio os regimes e movimentos comunistas moribundos espalhados por toda parte.

9. Inevitavelmente, assim, o próprio partido governante se transformou no “estamento burocrático” que ele havia jurado destruir. E, imbuído da fé cega nos altos propósitos que alegava, atribuiu-se em nome deles o direito de trapacear e roubar em escala incomparavelmente maior que a de todos os seus antecessores, sem admitir acima de si nenhuma autoridade moral à qual devesse prestar satisfações. O próprio sr. Lula expressou esse sentimento com candura admirável, afirmando-se o mais insuperavelmente honesto dos brasileiros, ao qual ninguém teria o direito de julgar – e isso no momento em que seu partido, abalado por uma tremenda sucessão de escândalos, já era conhecido no país todo como o partido-ladrão por excelência.

10. Assim, não apenas o PT fortaleceu o patrimonialismo, como frisou o cientista político Ricardo Velez Rodriguez, mas se transformou ele próprio na encarnação mais pura e aparentemente mais indestrutível do poder patrimonialista, soldando numa liga indissolúvel a ilimitada pretensão esquerdista ao monopólio da autoridade moral, os anseios do movimento comunista continental, os interesses de grandes grupos industriais e bancários, o aparato cultural amestrado (mídia, show business, universidades) e, last not least, o instinto de sobrevivência da classe política praticamente inteira.

11. Tal foi o resultado da síntese macabra que denominei faoro-gramscismo — a tentativa de realizar por meio da estratégia de Antonio Gramsci a revolução antipatrimonialista preconizada por Raymundo Faoro: na medida em que, ao mesmo tempo, instigava o ódio popular ao “estamento burocrático” e, por meio da “ocupação de espaços”, se transfigurava ele próprio no inimigo odiado, personificando-o com traços repugnantes aumentados até o nível do absurdo e do inimaginável, o PT acabou por atrair contra si próprio, em escala ampliada, a hostilidade justa e compreensível da população aos “donos do poder”, aos príncipes coroados do Estado cleptocrático.




“NÓS ENCONTRAMOS O INIMIGO E ELE SOMOS NÓS”, DIZ O PERSONAGEM POGO, CRIADO POR WALT KELLY(1913-1973)

12. Ao longo do processo, a “ocupação de espaços” reduziu o sistema de ensino e o conjunto das instituições de cultura a instrumentos para a formação da militância e a repressão ao livre debate de ideias, destruindo implacavelmente a alta cultura no país e, na mesma medida, estupidificando a opinião pública para desarmar sua capacidade crítica. Ao mesmo tempo, no desejo de agradar a vários “movimentos de minorias” enxertados no Brasil por organismos internacionais, o governo petista fez tudo o que podia para desmantelar o sistema dos valores mais caros à maioria da população, contribuindo para espalhar a confusão moral, a anomia e a criminalidade, esta última particularmente favorecida por legislações que não se inspiravam propriamente em Antonio Gramsci, mas numa fonte mais remota do pensamento esquerdista, a apologia do Lumpenproletariat como classe revolucionária, muito em voga nos anos 60 do século XX.

O Brasil que o PT criou é feio, miserável, repugnante, tormentoso e absolutamente insustentável. Cumprida a sua missão histórica de encarnar, personificar e amplificar o mal que denunciava, o único partido da História que fomentou uma revolução contra si mesmo tem a obrigação de ser coerente e desaparecer do cenário o mais breve possível.

Por isso a mensagem que o povo lhe envia nas ruas, nos panelaços, nas vaias e nas sondagens de opinião é hoje a mesma que, em circunstâncias muito menos deprimentes e muito menos alarmantes, surpreendeu o desastrado e atônito presidente João Goulart em 1964:

– Basta! Fora!

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

O marxismo cultural e o politicamente correto contra o povo - quem vence?

Este é o embate ideológico da atualidade


Embora o marxismo original tenha, ao redor do mundo, praticamente desaparecido dos movimentos trabalhistas, a teoria marxista segue prosperando nas instituições culturais, no mundo acadêmico e na mídia convencional.
Mas não se trata da teoria marxista econômica convencional. Trata-se de um novo marxismo, adulterado e sob uma nova roupagem.
Os socialistas de hoje praticamente abandonaram a velha retórica da "luta de classes", a qual envolvia uma batalha entre as classes capitalistas e proletárias. Há agora uma nova batalha, a qual opõe "opressores" a "oprimidos". As classes oprimidas incluem os grupos LGBT, os negros, as feministas, os imigrantes, os "não-assimilados culturalmente" e várias outras categorias consideradas mascotes. Já a classe opressora é formada majoritariamente por homens e mulheres cristãos, brancos e heterossexuais, de qualquer profissão (empregado ou empregador), que não sejam ideologicamente simpáticos ao socialismo.
A criação desta nova luta de classes é o cerne do "marxismo cultural". O marxismo cultural nada tem a ver com a liberdade, com o progresso social ou com um suposto esclarecimento cultural. Ao contrário, tem a ver com a criminalização de idéias: qualquer pensamento tido como "ofensivo" ou "excludente" — ou seja, qualquer pensamento que não preste reverência aos "grupos oprimidos" — deve ser criminalizado.
Para os adeptos deste evangelho, a força-motriz que irá impulsionar a revolução socialista não mais é o proletariado, mas sim os intelectuais — exatamente por isso o marxismo cultural prospera basicamente na academia, na mídia e na cultura.
A raiz
A raiz deste movimento está nos escritos de Antônio Gramsci (1891-1937) e da Escola de Frankfurt.
Já à época, esses teóricos do marxismo haviam reconhecido que o proletariado não exerceria o papel — que sempre lhe foi imaginado — de ser o "agente da revolução". Por conseguinte, para que a revolução acontecesse, o movimento passou a depender de líderes culturais, os quais estariam incumbidos de destruir a cultura e a moralidade dominantes — majoritariamente cristãs — para então empurrar as massas desorientadas para o socialismo, que passaria a ser a nova crença dominante.
Para Gramsci, a "hegemonia cultural" não apenas é o grande objetivo da batalha, como também é o seu principal instrumento. Os escritos de Gramsci contemplam um totalitarismo que elimina a própria possibilidade de uma resistência cultural às idéias progressistas.
O objetivo supremo (e autodeclarado) deste movimento é estabelecer um governo mundial no qual os intelectuais marxistas teriam a palavra final. Neste sentido, os marxistas culturais são a continuação daquilo que começou com a Revolução Russa.
Lênin e os soviéticos
Liderados por Lênin, os criminosos da revolução consideraram sua vitória na Rússia como sendo apenas o primeiro passo rumo à revolução mundial. A Revolução Russa não era nem russa e nem proletária. Em 1917, os trabalhadores industriais da Rússia representavam apenas uma pequena fatia da força de trabalho, a qual era majoritariamente formada por camponeses. A Revolução Russa não foi o resultado de um movimento trabalhista, mas sim de um grupo de revolucionários profissionais.
Uma análise mais minuciosa da composição do partido bolchevista e dos primeiros governos soviéticos e seu aparato repressivo revela a verdadeira característica da revolução soviética: um projeto que não visava a libertar o povo russo do jugo czarista, mas sim servir como plataforma para a revolução mundial.
A experiência da Primeira Guerra Mundial e suas consequências mostrou que o conceito marxista do "proletariado" como uma força revolucionária era uma ilusão. Igualmente, o exemplo da União Soviética demonstrou que é impossível haver socialismo sem uma ditadura.
Essas considerações levaram os principais intelectuais marxistas à conclusão de que uma estratégia diferente seria necessária para implantar o socialismo. Autores comunistas difundiram a ideia de que a ditadura socialista deve ocorrer disfarçadamente. Para que o socialismo tenha êxito, a cultura dominante deve mudar. O controle da cultura deve preceder o controle político.
A corrupção moral
O caminho para o poder preconizado pelos marxistas culturais é por meio da corrupção moral das pessoas. Segundo Gramsci, para alcançar isso, a grande mídia convencional, o sistema educacional e as instituições culturais devem ser infiltrados por agentes ideológicos e continuamente transformados e moldados de acordo com essa ideologia. A função destas três instituições não é esclarecer e iluminar, mas sim confundir e enganar.
A mídia, o sistema educacional e todo o aparato cultural devem ser utilizados para jogar uma parte da sociedade contra a outra. Enquanto as identidades de cada grupo (opressor e oprimido) vão se tornando mais específicas, a variedade dos grupos vitimológicos, bem como todo o histórico de "opressão" sobre estes grupos, vai se tornando mais detalhada.
A demanda por "justiça social", por sua vez, cria uma infindável corrente de gastos públicos tidos como essenciais — para saúde, educação e aposentadoria, e também para todos aqueles que "estão necessitados", ou que "são perseguidos", ou que "são oprimidos", sejam eles reais ou imaginários. O fluxo interminável de gastos nestas áreas corrompe as finanças do governo e produz crises fiscais. Isso ajuda os neo-marxistas a acusarem o "capitalismo" de todos os males, sendo que, na realidade, é exatamente o estado inchado e regulatório quem provoca os colapsos econômicos e é o excesso de endividamento público quem causa as fragilidades financeiras.
A política, a mídia, as instituições educacionais e culturais, e mesmo o judiciário não param de criar novas guerras: indo desde a guerra contra o colesterol e a pressão alta até campanhas contra gordura saturada e obesidade. A lista de "inimigos declarados" cresce diariamente, e todos aqueles que não se curvam são prontamente rotulados de "fascistas", "racistas", "machistas", "homofóbicos", "xenófobos", "islamófobos", "transófobos" etc.
O ápice deste movimento é a imposição do "politicamente correto": a guerra contra as opiniões individuais. Ao passo que a população deve tolerar repugnantes demonstrações comportamentais — devidamente rotuladas de "arte" —, a lista de palavras e opiniões proibidas só faz crescer. Tudo aquilo que pode ser subjetivamente interpretado como 'excludente' ou 'ofensivo' tem de ser proibido. Ao defender a censura de idéias e comportamentos considerados "ofensivos", o politicamente correto nada mais é do que uma ferramenta criada para intimidar e restringir a liberdade de expressão. A opinião pública jamais deve ir além do espectro de posições aceitáveis.
Porém, enquanto o debate público empobrece, a diversidade de opiniões radicais prospera às ocultas.
Os marxistas culturais, desta maneira, empurram a sociedade moralmente para uma crise de identidade por meio dos falsos padrões criados por uma ética hipócrita. O objetivo não mais é a "ditadura do proletariado" — pois este projeto fracassou —, mas sim a "ditadura do politicamente correto", cuja autoridade suprema está nas mãos dos marxistas culturais.
Como uma nova classe de sacerdotes, os guardiões desta nova ortodoxia comandam as instituições cujos poderes eles querem estender sobre toda a sociedade. A destruição moral do indivíduo é um passo necessário para alcançar a vitória final.
O ópio dos intelectuais
Os crentes deste neo-marxismo são majoritariamente intelectuais. Os trabalhadores, afinal, fazem parte da realidade econômica dos processos de produção e sabem que as promessas socialistas são completamente insanas e insensatas. Em nenhum lugar do mundo o socialismo foi implantado em decorrência de algum movimento trabalhista. Os trabalhadores nunca foram a vanguarda do socialismo, mas sim suas principais vítimas. 
Os líderes das revoluções sempre foram intelectuais, membros da classe política, e militares. Cabia aos artistas e escritores ocultarem a brutalidade dos regimes socialistas por meio de artigos, livros, filmes e pinturas, e dar ao socialismo uma aparência estética moral, científica e intelectual. Na propaganda socialista, o novo sistema sempre parece ser justo e produtivo.
Os marxistas culturais acreditam que, futuramente, eles serão os únicos detentores do poder, capazes de ditar às massas como viver, como pensar, como se comportar e até o que comer. No entanto, uma grande surpresa os espera: se o socialismo de fato vier, a "ditadura dos intelectuais" será tudo, menos benigna — e nada muito diferente do que ocorreu após os soviéticos tomarem o poder. Os intelectuais estarão entre as primeiras vítimas. Foi isso, afinal, o que ocorreu na Revolução Francesa, a qual foi a primeira tentativa de revolução pelos intelectuais. Várias das vítimas da guilhotina eram proeminentes intelectuais que haviam inicialmente apoiado a revolução — Robespierre entre eles. As revoluções sempre matam seus idealizadores.
Em sua peça "A Morte de Danton", o dramaturgo Georg Büchner famosamente colocou uma personagem para dizer: "Como Saturno, a revolução devora seus filhos". No entanto, seria mais apropriado dizer que a revolução devora seus pais espirituais. Os intelectuais que hoje promovem o marxismo cultural serão os primeiros da fila do cadafalso caso seu projeto de poder tenha êxito.
Conclusão
Contrariamente ao que Marx acreditava, a história não está pré-determinada. A longa marcha gramsciana da conquista das instituições culturais e sociais ocorreu, mas ainda não se consumou por completo. Ainda há tempo de oferecer resistência. E ela já está ocorrendo.
Para contra-atacar, é necessário apontar a inerente fraqueza do marxismo cultural. Na medida em que os neo-marxistas alteraram o marxismo clássico e eliminaram seus pilares básicos (o aprofundamento da proletarianização, o determinismo histórico, e o colapso total do capitalismo), o movimento se tornou ainda mais utópico do que o próprio socialismo original.
Como sucessores da Nova Esquerda, os "socialistas democráticos" atuais propagam uma miscelânea de posições contraditórias. Dado que o caráter deste movimento é o de promover conflitos de grupos, o neo-marxismo é ineficaz para servir como instrumento de obtenção de um poder político coerente necessário para uma ditadura.
No entanto, isso não significa que o movimento neo-marxista não terá impactos. Ao contrário: por causa de suas inerentes contradições, a ideologia do marxismo cultural é a principal fonte de confusão que atingiu praticamente todos os segmentos das atuais sociedades ocidentais, e a qual ainda pode crescer e atingir proporções perigosas.
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fonte: https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2953
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