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Cultura
A tal ponto chegou a padronização esquerdista da mídia, da qual falava o meu artigo anterior, que em 2001 O Globo,
segundo confessou seu chefe de redação, Luís Garcia, teve de contratar
pelo menos um colunista tido como “de direita”, para não dar muito na
vista. Esse colunista era eu, mas, assim que se tornou patente a minha
insistência em denunciar as atividades do Foro de São Paulo – cuja
simples existência o establishment iluminado negava --, fui expelido não somente daquele jornal, mas da Zero Hora, do Jornal da Tarde e da revista Época.
Fui substituído por uma geração de direitistas soft,
que se limitam a defender genericamente a economia de mercado e as
liberdades democráticas, sem deixar de fazer toda sorte de concessões ao
programa sociocultural da esquerda. E tanto se reduziu nesse ínterim a
quota de “direitismo” admissível, que mesmo esses, hoje em dia, são
rotulados de radicais, extremistas e golpistas, inclusive pela revista
do sr. Carta.
A
História já comprovou mil vezes que o rebaixamento da cultura a
instrumento de um esquema de poder, acompanhado da supressão das vozes
discordantes, é o caminho mais curto para a imbecilização geral.
É
claro que a mídia, por si, não pode secar a criatividade das melhores
inteligências. O que ela pode fazer, e fez, foi baixar o nível do debate
geral para ajustá-lo a uma política que festejava o analfabetismo do
sr. Lula como prova de suas “raízes populares” (uma ofensa brutal aos
pobres estudiosos) e, coerentemente com o mais rasteiro populismo
intelectual, entregava o Ministério da Cultura a homens incapazes de
escrever três palavras sem errar duas e meia.
Isso começou com o dogma progressista-populista (já comentado no próprio Imbecil Coletivo), de que todo es igual, nada es mejor,
de que toda distinção entre o mais alto e o mais baixo é um elitismo
fascista, devendo portanto ser extinta a noção mesma de cultura superior
e instaurado o cambalache universal que hoje arranca lágrimas de crocodilo do sr. Mino Carta.
Significativamente, o sr. Carta não diz uma palavra sobre a essencial causa mortis
da cultura brasileira, a instrumentalização das universidades como
centros de formação da militância comunista. Num ambiente de compressiva
uniformização doutrinal, intoxicados de slogans, chavões e
cacoetes mentais obrigatórios, protegidos de todo desafio intelectual e
cientes de que o menor desvio da ortodoxia dominante pode destruir suas
carreiras, milhões de jovens entendem hoje a formação universitária como
subserviência canina aos mandamentos de seus orientadores, incluindo,
entre as demonstrações rituais de fidelidade, as expressões histéricas
de ódio às bêtes noires da mitologia professoral -- eu, é claro,
em primeiríssimo lugar. Que alta cultura pode sobreviver nessa
atmosfera? Não foi decerto coincidência que alunos da maior universidade
brasileira, tendo descido da condição de estudiosos acadêmicos para a
de ativistas e militantes, tenham caído daí para a de drogados e
praticantes do sex lib e em seguida para a de bandidos comuns. Qual será a próxima etapa?
Já
que o sr. Carta deplora as diferenças entre a cultura brasileira dos
anos 40 ou 50 e a de hoje, por que não diz que, dessas diferenças, a
maior foi a passagem de um saudável pluralismo ideológico a uma
atmosfera de monopolismo partidário, rancor insano e repressão do
pensamento divergente? Será possível imaginar, naquela época remota, um
intelectual de boa reputação bloqueando o acesso dos seus adversários à
mídia, ou baixando sobre eles uma cortina de silêncio em público ao
mesmo tempo que, pelas costas, instigasse contra eles o ódio da
juventude universitária? Naquele tempo, o editor José Olympio costumava
reunir no fundo da sua livraria os escritores das mais variadas
tendências ideológicas, para conversações que hoje seriam impossíveis.
Naquele tempo, foram sobretudo os críticos de esquerda que fizeram a
fama de Gilberto Freyre, o inverso de um esquerdista. Naquele tempo, o
socialista Álvaro Lins abria as portas do jornalismo a Otto Maria
Carpeaux, que chegava da Áustria com a fama de doutrinário-mor do regime
católico-autoritário do chanceler Dolfuss. Não que inexistissem
antagonismos. Existiam e eram feios. Mas ninguém fugia de lidar com eles
no campo da palavra, ninguém seguia o preceito leninista de tentar
destruir socialmente o adversário em vez de discutir com ele.
Diferença
por diferença, pergunto se naqueles tempos áureos algum colunista de
mídia seria capaz de falar de um problema já abundantemente denunciado e
analisado por outro colunista, e fazê-lo com ares de pioneirismo
absoluto, sem dar o menor sinal de ter ouvido falar do antecessor. Se o
sr. Carta diverge de mim, que seja homem e fale o português claro. Que
pare de camuflar sua covardia por trás de uma afetação de superioridade
olímpica.
Os exemplos poderiam multiplicar-se ad infinitum.
Não foi só a produção de boas obras que diminuiu. Foi muito mais a
estatura moral da classe opinante, hoje mais empenhada em consolidar o
poder do PT e beneficiar-se financeiramente dele do que em preservar
aquele mínimo de integridade e honradez sem o qual não existe vida
intelectual nenhuma.
O
sr. Carta imita enfim o mafioso que mandou matar o adversário e depois
ainda foi ao enterro perguntar à viúva: “De quê morreu o seu marido,
minha senhora?” A dona, não podendo dar nome aos bois, saiu-se com este
maravilhoso eufemismo: “Foi de encontro a um projétil que vinha em
sentido contrário.” Pois bem, sr. Carta, foi disso que morreu a cultura
brasileira: foi de encontro a um bloco de imbecis presunçosos que vinham
em sentido contrário.
Publicado no Diário do Comércio.
Publicado no Diário do Comércio.
via mídia sem máscara
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