Michael Oakeshott
Ser
conservador é preferir o familiar ao desconhecido, preferir o tentado ao não
tentado, o fato ao mistério, o real ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo
ao distante, o suficiente ao superabundante, o conveniente ao perfeito, a felicidade
presente à utópica.
Assim
sendo, as mudanças pequenas e lentas serão, para ele, mais toleráveis que as
grandes e repentinas, e valorizará consideravelmente toda a aparência de
continuidade.
A
única forma que temos de defender a nossa identidade (ou seja, de nos defendermos
a nós mesmos) contra as forças adversas da mudança encontra-se no conhecimento
da nossa experiência; apoiando-nos naquilo que mostre maior firmeza, aderindo
àqueles costumes que não estejam imediatamente ameaçados e assimilando assim o
novo sem nos tornarmos irreconhecíveis para nós mesmos
É
por algum subterfúgio do conservadorismo que todas as pessoas ou povos forçados
a sofrer uma mudança notável evitam a desonra da extinção.
Para
além disso, ele está consciente de que nem toda a inovação constitui
verdadeiramente um avanço.
Ainda
mais, mesmo quando a inovação representar um progresso convincente, ele
analisará duas vezes os argumentos que a justificarem antes de a aceitar.
Existe
a possibilidade de que os benefícios que se obtiverem sejam maiores que os
previstos, mas existe também o risco de estes serem contrabalançados por
mudanças para pior.
A
inovação implica uma perda certa e um ganho possível. Por conseguinte, cabe ao
hipotético reformador provar ou demonstrar que pode esperar-se que a mudança
seja, em última instância, benéfica.
Consequentemente,
ele prefere as inovações pequenas e limitadas às grandes e indefinidas. Em
quarto lugar, ele prefere o passo lento ao rápido, e pára para observar as
consequências atuais e fazer os ajustamentos necessários.
O
indivíduo de temperamento conservador pensa que não deve abandonar um bem
conhecido por outro desconhecido. Não gosta do perigoso e difícil; não é
aventureiro; não o atrai navegar por mares desconhecidos; para ele não há
qualquer prazer em encontrar-se perdido, aturdido ou naufragado.
O
que os outros vêem como timidez, ele qualifica como prudência racional; o que
os outros interpretam como sendo inatividade, para ele constitui uma inclinação
para desfrutar em vez de explorar. É uma pessoa cautelosa e tende a indicar a
sua aprovação ou desaprovação não de forma categórica, mas prudente.
Sempre
que uma identidade firme é alcançada, ou sempre que a situação dessa identidade
é precária, é a disposição conservadora que triunfa. Por outro lado, a atitude
adolescente é, amiúde, predominantemente temerária e experimental; quando somos
jovens, não há nada que nos pareça mais atrativo que correr riscos.
A
relação entre amigos é sentimental, não utilitária; o vínculo é de
familiaridade, não de utilidade; a atitude implícita é conservadora, não “progressista”.
E o que é fundamentalmente verdade na amizade não é menos verdade em outras
experiências – o patriotismo, por exemplo, ou a simples conversa -, cada uma
das quais exige uma atitude conservadora como uma precondição para o seu gozo.
Consequentemente,
todas as atividades em que o que se procura é o agrado resultado não do sucesso
do intento, mas da familiaridade desta, constituem símbolos da postura
conservadora.
Quem
vê na pessoa de disposição conservadora (inclusivamente naquilo a que se chama
vulgarmente de “sociedade progressista”) um indivíduo solitário que nada contra
a esmagadora corrente das circunstâncias só pode ter ajustado os seus binóculos
de modo a ignorar um largo campo
da ação humana.
De
fato, não me parece que o conservadorismo esteja necessariamente relacionado
com alguma crença particular acerca do universo, do mundo ou da conduta humana
em geral. Prende-se, isso sim, com crenças sobre a atividade de governar e os
instrumentos do governo, e é em crenças nestes tópicos, e não em outros, que
pode ser compreendido.
Naturalmente,
nem todos esses sonhos são exatamente iguais; mas têm em comum o fato de que
cada um deles representa uma visão das circunstâncias humanas em que as
ocasiões de conflito foram eliminadas, uma visão em que a atividade humana
aparece, assim, coordenada e caminhando numa só direção em que todos os
recursos são utilizados na sua totalidade. Entendem estas pessoas que a função
do governo é impor, aos seus súbditos, as circunstâncias humanas dos seus
sonhos. Governar é transformar um sonho privado numa forma de vida pública e
obrigatória. Deste modo, a política passa a ser um encontro de sonhos e, na atividade
política, o governo agarra-se a esta interpretação da sua função, recebendo, por
isso, os instrumentos que para ela são apropriados.
A
imagem do governante deve ser a de um árbitro cuja função consiste em aplicar
as regras do jogo, ou a de um moderador que dirige um debate sem participar
nele.
Em
resumo, a função que se atribui ao governo é a da resolução de alguns dos
conflitos que são gerados por essa variedade de crenças e atividades; preservar
a paz sem impor uma proibição à escolha ou à diversidade implícita do seu
exercício; e sem impor uma uniformidade substantiva, a não ser mediante a aplicação
de regras gerais de procedimento a todos os súditos de igual modo.
Em
síntese, os segredos do bom governo provêm do protocolo, não da religião ou da
filosofia; no gozo de um comportamento ordeiro e pacífico, não na busca da
verdade ou da perfeição.
O
guardião deste ritual será o governo, e as regras que o impõem serão “a Lei”.
Governar
não tem a ver com o bem ou com o mal moral, e o seu objetivo não é fazer homens
bons ou melhores; não vai buscar justificação à “perversão natural da
humanidade”, é algo necessário apenas devido à tendência que há para se ser
extravagante; a sua função [do governo] consiste em manter os seus súbditos em paz uns com os outros nas atividades
em que escolheram procurar a felicidade.
Por
conseguinte, o conservador nada terá a ver com as inovações que se destinem,
meramente, a satisfazer situações hipotéticas; optará por empregar a regra que
tem a inventar uma nova; achará conveniente atrasar a modificação de regras até
que seja claro que a alteração de circunstâncias que a justifica veio para
ficar. Suspeitará de propostas de mudança que
vão além do que a situação exige; dos governantes que peçam poderes extraordinários
para a consecução de grandes modificações e cujas palavras estejam relacionadas
com banalidades como “o bem público” ou a “justiça social”; e dos Salvadores da
Sociedade que abracem a armadura e procurem dragões para matar.
O
conservador entende que a função do governo não consiste em alimentar paixões e
dar-lhe novos objetivos com que possam alimentar-se, mas sim em introduzir um
ingrediente de moderação nas atividades de pessoas demasiado apaixonadas;
limitar, desencorajar, pacificar e reconciliar; não atiçar o fogo do desejo,
mas sufocá-lo. E tudo isto não porque a paixão seja um vício e a moderação uma
virtude, mas porque a moderação é indispensável se se quiser evitar que homens
apaixonados sejam aprisionados por conflitos que os frustrem mutuamente.
Um
árbitro que é ao mesmo tempo um dos jogadores não é um árbitro; as regras
acerca das quais não somos conservadores não são regras, mas incitamentos à
desordem; a união entre sonhos e governo gera tirania.
A
política é uma atividade inadequada para os jovens, não devido aos seus vícios
mas sim devido ao que eu considero serem as suas virtudes.
Os
tempos de juventude de toda a gente são um sonho, uma loucura deliciosa, um doce
solipsismo. Nesse tempo, nada tem uma forma fixa, um preço fixo; tudo é possível
e vive-se numa felicidade a crédito. Não há obrigações a respeitar, não há contas
a fazer. Nada há que se especifique de antemão; cada coisa é o que se pode fazer
dela. O mundo é um espelho em que procuramos o reflexo dos nossos próprios
desejos. A tentação das emoções violentas é irresistível. Quando somos jovens,
não estamos dispostos a fazer concessões ao mundo; nunca sentimos o contrapeso
de algo nas nossas mãos - a menos que seja um bastão de críquete.
* Os trechos acima pertencem ao ensaio "Ser Conservador", de Michael Oakeshott, que pode ser lido na íntegra aqui.
Meu trabalho foi apenas pinçar o que considerei as melhores passagens
para quem tem menos tempo disponível. Aos demais, recomendo a leitura
completa. http://rodrigoconstantino.blogspot.com.br/2013/05/ser-conservador.html
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