Artigos - Desinformação
A
palavra propaganda, na sociologia e na política, nos remete às técnicas
empregadas por Joseph Goebbels a serviço de Hitler, cujos crimes
normalmente nos trazem à memória o que acreditamos ser o pior e mais
devastador genocídio que já houve. Ocorre, porém, que nem Goebbels é
idealizador da propaganda nazista e nem o nazismo seria merecedor do
status de maior causa de mortes na história humana. Mas por que então
palavras como esta e tantas outras nos remetem a ideias sobre as quais
manifestamos opiniões de apoio ou repulsa quase que imediatamente?
O uso que Goebbels fez das técnicas de propaganda foi somente uma
articulação possível dentre as diversas possibilidades desenvolvidas, na
verdade, por Edward Bernays, o pai da profissão de relações públicas e
uma das maiores mentes da propaganda no século XX. A inovação trazida
por ele foi justamente a associação de palavras e ideias a determinadas
emoções, tornando possível o controle dos sentimentos do público e, com
isso, de suas ações.
Ao longo do século passado, essas técnicas foram usadas para suscitar
repulsa a determinadas ideias, paixões por outras, desejos e até
dependências psicológicas a conceitos ou produtos comerciais de clientes
específicos. Puderam transferir a culpa de crimes a inocentes mediante
exposições na mídia, assim como transformar heróis em bandidos e
vice-versa.
Bernays pode ser considerado o idealizador de grande parte da cultura
de massa do século passado, do consumismo e da cultura sentimental que
vemos hoje. Foi inspirador de Goebbels e deu à propaganda o nome mais
genérico e menos agressivo de relações públicas. Com técnicas ligadas à
psicanálise, ele empreendeu uma das maiores e mais decisivas mudanças na
mente do cidadão comum ao transferir o interesse do consumo da
necessidade prática ao desejo simbólico.
Junto aos trabalhos de outros pesquisadores de comunicação social
anteriores e posteriores, as técnicas de Bernays foram utilizadas
amplamente por institutos de pesquisa social e empresas interessadas em
controlar a opinião pública. Este interesse foi crescendo a partir do
que era visto como uma necessidade desde o século anterior: a do
controle social por meio de uma elite esclarecida. Vejamos como essa
necessidade veio a se formar para compreendermos então o papel de
Bernays e dos resultados perceptíveis à nossa volta.
O primeiro mito a se desfazer é o de que ideias de controle social
são oriundas de mentalidades ligadas a regimes totalitários. Estes
regimes só aperfeiçoaram e deram caráter mais técnico a uma necessidade
dos próprios regimes democráticos de caráter liberal. A prova disso é
que essas ideias surgem da mente de liberais interessados no progresso
das ideias e das liberdades. Em muitos aspectos, ideias totalitárias são
decorrentes de uma hipertrofia de ideias profundamente democráticas.
Afinal, a democracia para funcionar deve contar com o consentimento
total. Isso não quer dizer que a democracia seja o problema, mas pode
significar que a sua defesa meramente ideológica ou instrumental tem
grandes chances de se transfigurar em uma campanha fascista. E gênios
ideólogos souberam utilizar muito bem este potencial.
Desde que pensadores como John Locke apontaram para a importancia dos
jornais na educação da população, muitos intelectuais e cientistas se
dedicaram à compreensão do funcionamento da mídia de massa para
estabelecer técnicas precisas de controle por meio de uma elite. A
própria ideia de democracia liberal exige um tipo de legitimação que vai
além da mera defesa teórica de seus pressupostos, mas passa pela
necessidade de se gerar um consentimento público ou o que Karl Mannheim
chamaria de “democracia militante”. A existência de propostas de caráter
controlador e totalitário, portanto, se deve ao tipo de
intelectualidade que acabou ocupando lugar de destaque neste processo. A
passagem da idéia de controle indireto da opinião pública para um
processo de controle estatal da mídia propriamente, está diretamente
ligado à ascenção de um tipo de elite, a socialista fabiana, que se
origina das classes pequeno-burguesas historicamente carentes de atenção
estatal.
A proeminência das classes intelectuais na opinião pública, a partir
do processo de crescimento da circulação de jornais políticos desde o
século XVIII, culminou, no final do século XIX, com o florescimento das
ideologias massivas, herdeiras e saudosas dos “avanços” da Revolução
Francesa. O puritanismo da classe burguesa (influenciado pelo
protestantismo), aliado às crenças no poder redentor das revoluções
populares, trouxe a idealização de um tipo de proletariado defensor de
seus direitos e participativo nas lutas políticas. Esta expectativa,
porém, existente só na mente dessa pequena burguesia, não se efetivou na
prática, pois o povo proletário do final do século XIX não se
interessava por política nem por revoluções, já que as próprias
condições de trabalho não pioravam como tentara demonstrar Marx. Isso
trouxe certa desilusão no poder popular transformador, por parte dos
intelectuais. Marx foi um dos responsáveis pela confusão entre o
proletariado e a pequena burguesia insatisfeita ao usar dados do
proletariado inglês e cruzá-los com as suas supostas consequências, às
revoluções de 1848. Ocorre que estas revoluções foram levantes
provocados pela pequena burguesia alfabetizada e insatisfeita, não por
operários.
O resultado deste processo psicológico, muito bem descrito por
Emmanuel Todd em seu livro 'O louco e o proletário – filosofia
psiquiátrica da história' (1951), foi o estabelecimento de um poder
paralelo dos herdeiros dessa recalcada burguesia intelectual, cuja
expressão mais clara está na atual elite globalista que já no início do
século XX estava no comando da intelectualidade mundial.
O início do século XX, portanto, foi marcado por pesquisas de opinião
pública de caráter normativo, a chamada escola funcionalista, que tinha
como principal objetivo o conhecimento de técnicas para a manutenção da
ordem pública, objetivo de uma classe científica de escola positivista.
Os institutos de pesquisa social, como Rockefeller e Tavistock,
inspirados na antiga confraria de pesquisadores de Wellington House,
dedicaram-se ao estudo do processo cognitivo e os seus resultados
práticos para a política.
Mais tarde, porém, percebeu-se que as agendas políticas deviam ser
trabalhadas no campo cultural, o que trouxe maior margem de ação a estes
pesquisadores. Hoje, nomes como Edward Bernays, Kurt Lewin, Walter
Lippmann, entre outros, são referências em matéria de opinião pública e
psicologia das massas, apesar de seus estudos serem vistos como meras
investigações sem funções práticas. Lippmann, em seu livro 'Opinião
Pública' (1922), revolucionou os estudos de mídia ao relacionar as
decisões dos cidadãos às imagens do mundo em suas mentes, cuja
construção caberia a uma elite de esclarecidos que tivessem o controle
dos meios de comunicação. Suas conclusões foram derivadas das
descobertas de Ivan Pavlov sobre o condicionamento cognitivo das ações e
dos comportamentos dos animais aplicados ao homem. Assim, Lippmann
salienta a importância dos diversos mecanismos de censura como condição
para a construção social, e sua função de barreira necessária entre o
público e os eventos para a construção dos pseudo-ambientes.
Lippman – importante fonte de estudos em comunicação hoje –
argumentava que a democracia representativa não poderia funcionar sem
uma “organização especializada e independente que torne os fatos
invisíveis inteligíveis àqueles que tomam as decisões”. Ele concluia o
primeiro capítulo dizendo: “Minha conclusão é que, para serem adequadas,
as opiniões públicas precisam ser organizadas para a imprensa e não
pela imprensa”.
Estando o público distanciado dos eventos reais por meio de barreiras
naturais ou artificiais, este terá, portanto, como única imagem destes
fatos o que é passado por meio da mídia, das notícias diárias. “O único
sentimento que alguém pode ter acerca de um evento que ele não vivenciou
é o sentimento provocado por sua imagem mental daquele evento”, diz
Lippmann. Entre os seres humanos e o ambiente real, há a presença
marcante dos pseudo-ambientes dos quais o comportamento é uma resposta.
Este comportamento-resposta, porém, se é uma ação, não opera
evidentemente no mundo dos pseudo-ambientes onde foi estimulado, mas no
ambiente real onde de fato as ações acontecem.
Em termos práticos, isso quer dizer que, de posse do controle das
notícias, pode-se determinar em grande parte as respostas dos cidadãos,
por meio da geração destes pseudo-ambientes. Para determinar ações ou
sentimentos específicos nos indivíduos, portanto, basta ater-se à forma
como é construída a imagem do objeto e torná-lo socialmente válido. Ou
seja, se as ações fossem respostas à realidade, seria muito difícil
determinar ações, pois é impossível mudar os fatos dos quais as ações
são a resposta. Esta é como se vê uma explicação lógica da mentira
sistematizada.
Lippman foi membro da Sociedade Fabiana na juventude até se desiludir
com o socialismo por não concordar com a ideia da luta de classes,
embora aceitasse a sua existência na realidade. A imagem mental da ideia
de luta de classes fomentaria o caos e a desordem, coisa tida como
inevitável para os socialistas. Ele queria que a sociedade fosse
controlada para a democracia e a ordem e via no marxismo ortodoxo um
entrave à paz, apesar de concordar com a doutrina marxista quanto à
economia. Não é a toa que Lippmann é um dos honoráveis fundadores do
Council of Foreign Relations (CFR), em 1919, uma das mais atuantes
entidades de influência da opinião pública no mundo. Com o CFR, o sonho
de Lippmann e de muitos intelectuais fabianos estava mais perto de ser
realizado.
Engenharia do consentimento
Edward Bernays trabalhou para o presidente norte-americano Woodrow Wilson e foi o responsável pela legitimação pública que o governo teve para entrar na guerra contra a Áustria, em 1917.
Então com apenas 27 anos, o exitoso assessor ficou a imaginar que
resultados teriam estas técnicas de controle da opinião pública se
aplicados em tempos de paz. Foi então que Bernays, retornando aos EUA,
passou a trabalhar para grandes empresas na profissão que ele mesmo
inventara. Assim, o jovem assessor criou grande parte da cultura que
conhecemos, ao desvincular o consumo da necessidade, ligando-o aos
desejos humanos expressados na esfera simbólica, a partir da aplicação
massiva das teorias do seu tio Freud. Um ano após o lançamento do livro
de Lippmann, coube a Bernays a tarefa de criar a profissão de relações
públicas, o profissional encarregado de fomentar agendas públicas
consonantes com objetivos políticos de seus assessorados. A profissão
surgiu a partir do livro 'Cristallizing Public Opinion', de 1923, a
partir das técnicas já utilizadas por Bernays.
A liberdade de expressão, dizia Bernays em seu artigo célebre 'A
engenharia do consentimento', “expandiu a carta de direitos americanos
para incluir o direito à persuasão”. Este foi o resultado da inevitável
expansão da mídia e da livre expressão, como ele afirmou. “Qualquer um
de nós pode, por meio dessas mídias, influenciar as atitudes e ações de
nossos companheiros cidadãos”, diz Bernays. E recomenda: “o conhecimento
de como usar esse enorme sistema de amplificação torna-se uma
preocupação primária para aqueles interessados em uma ação socialmente
construtiva”.
Baseado então nos pressupostos de Lippmann, Bernays pensa ser
possível desenvolver técnicas de persuasão apoiadas no conhecimento da
psicologia humana. Embora os resultados dos estudos de Bernays tivessem
sido usados por Joseph Goebbels, o famoso publicitário do nazismo,
segundo ele próprio admitira, os objetivos de Bernays estavam em
consonância com os princípios democráticos, como se vê:
“A engenharia do consentimento é justamente a essência do processo
democrático, a liberdade de persuadir e sugestionar. As liberdades de
expressão, imprensa, petição e reunião, as liberdades que fazem a
engenharia do consentimento possível, estão entre as mais celebradas
garantias da Constituição dos Estados Unidos”.
Através do processo educacional, assegura Bernays, os governos devem
conceder ao seu público um entendimento sobre os problemas para tomarem
suas decisões. Mas a engenharia do consentimento, alerta ele, não deve
confundir-se com o sistema educacional, pois deve completá-lo e ir além
dele, já que se direciona à ação e não simplesmente à compreensão de
determinadas situações. A engenharia do consentimento deve, portanto,
suprir as lacunas do sistema educacional na determinação de ações.
Bernays alerta para os perigos de que suas técnicas sejam subvertidas
e usadas para fins antidemocráticos. Por isso, “o líder responsável, de
modo a realizar objetivos sociais, deve estar constantemente alerta às
possibilidades de subversão”. Ironicamente, um exemplar bastante
conhecido deste “líder responsável”, assessorado por um de seus
discípulos involuntários, levou o povo alemão a bater continênica para
as atrocidades de Hitler.
Apesar do relativo sucesso da campanha nazista nos meios de
comunicação da época (campanha até hoje considerada erroneamente
pioneira na propaganda), Bernays salienta que a persuasão encontra o seu
terreno fértil nas democracias liberais, “onde a livre comunicação e a
competição de ideias no mercado são permitidas”. As democracias,
portanto, funcionam bem à persuasão já que são as suas garantidoras por
natureza. Estes sistemas, portanto, que constituem a base da política
ocidental, se tomados como valores em si, servem a uma variada gama de
objetivos, incluindo aqueles contra os quais o sistema mesmo busca ser
uma defesa. Basta que a palavra democracia seja esvaziada de seu
significado e substituído por outro, tática bastante simples e usual,
para que mudem os propósitos a que essas técnicas servirão.
Seguindo o próprio curso liberal capitalista, se as idéias
socialistas estão vencendo a concorrência das idéias, é para lá que se
dirige o fluxo de dinheiro e esforços para campanhas políticas e
publicitárias, o que explica a hegemonia de discursos ecológicos e
socialistas na totalidade dos partidos e de campanhas publicitárias de
empresas capitalistas ocidentais.
As teorias da comunicação, especificamente as ligadas ao jornalismo,
têm estudado exaustivamente o comportamento da imprensa e dos
jornalistas, em busca de uma lógica na circulação de notícias, como
mostram os estudos de agendamento da mídia. Mas são insuficientes se não
levarem em conta a evolução dos estudos no campo da publicidade e das
técnicas de consentimento e controle da opinião pública usadas há mais
de um século por agências de inteligência, órgãos governamentais e
institutos de pesquisas como o Instituto Tavistock, mantido por
fundações internacionais. Hoje o consentimento político de caráter
nacional ou empresarial deu lugar ao global e a criação de um discurso
único que, por trás de todas as causas, trabalha para a acumulação de
poder dos grupos ligados às Nações Unidas e sua agenda. Não deixa de ser
estranho afirmar que aqueles estudos financiados por instituições como
Rockefeller, Ford, entre outras, tinham somente uma curiosidade
científica e nenhum interesse em descobrir técnicas de controle. Ainda
mais ingênua nos parece essa afirmação se constatarmos que estas
instituições hoje comandam os altos executivos das maiores empresas de
mídia do mundo.
Os intelectuais globalistas, que como dissemos no início, são
herdeiros daquela pequena burguesia revolucionária, órfã e saudosa do
poder estatal, hoje controlam a opinião pública conduzindo-a como bem
entendem e para os fins que deseja, sem que ninguém se oponha de forma
eficiente nos mesmos termos, isto é, por influência simétrica na opinião
pública. Neste sentido, a compreensão das suas técnicas e o seu
reconhecimento na realidade deveria ser a primeira etapa para qualquer
reação às campanhas de consentimento, já que elas atuam muitas vezes em
terrenos simbólicos e até subliminares de significação.
Afinal, como afirmou Bernays, “a manipulação consciente e inteligente
dos hábitos organizados e opiniões das massas é um elemento importante
na sociedade democrática. Aqueles que manipulam este mecanismo oculto da
sociedade constituem um governo invisível que é o verdadeiro poder do
nosso país”.
Referências:
STEEL, Ronald. Walter Lippmann and the american century (1999)
TODD, Emmanuel. O louco e o proletário: filosofia psiquiátrica da história (1951);
LIPPMANN, Walter. Opinião Pública (1922).
MCCOMBS, Maxwell. A teoria da agenda (2009);
COLEMAN, John. O Instituto Tavistock de relações sociais.
BERNAYS, Edward. A engenharia do consentimento (1947): disponível em: http://www.ip.usp.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=1927%3Av3n1a09-a-engenharia-do-consentimento&catid=340%3Arevista-transformacoes&Itemid=91&lang=pt
Cristian Derosa é jornalista. (via midia sem mascara)
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