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“Nunca o vi observar pais com seus filhos”: A assistente social que afirma ter
sido forçada a tirar bebês de suas mães pelo “especialista” que brincava de ser
Deus
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Keira Roberts trabalhou para o Dr. George Hibbert no Centro de Aconselhamento
Familiar da cidade de Swindon, 130km a leste de Londres
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Hibbert dava tarefas estranhas aos pais, como trocar um pneu de carro enquanto
cuidava da criança
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Keira: ‘Tivemos que colocar coisas ruins em nossos relatórios’
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O Dr. Hibbert ganhava mais de £40,000 (R$120.000) por semana.
Katherine
Faulkner
Qualquer pessoa que trabalhe em um Conselho
Tutelar lhe dirá que um dos piores aspectos do trabalho é ter que tirar uma
criança dos braços da mãe, possivelmente para sempre.
Só isso já é de partir o coração,
ainda mais quando se sabe com 100% de certeza que retirar a guarda dessa
criança é o melhor para ela. Mas e se você estivesse sendo forçado a afastar
uma criança de uma mãe que você acredita ser boa e dedicada?
Keira Roberts nunca imaginou que se
encontraria em tal posição quando aceitou trabalhar para um psiquiatra eminente
que se especializou em ajudar as autoridades locais a identificar pais
perigosos ou negligentes.
“Brincando de Deus”: Dr. George Hibbert, especializado em ajudar autoridades locais a identificar pais perigosos e negligentes |
Quando Keira concordou em trabalhar
para ele, foi em um dos seus Centros de Aconselhamento Familiar, um dos lugares
para onde eram encaminhadas as famílias que estavam sob monitoração das
assistentes sociais. Essas famílias eram monitoradas dia e noite enquanto se
decidia o que se deveria fazer em seguida.
Era um processo bastante invasivo,
mas Keira presumia que o Dr. Hibbert, que tinha alta confiança (e um belo
salário) de várias autoridades locais, sabia o que estava fazendo.
E após o escândalo da morte do bebê
Peter Connelly, ela entendeu como era importante agir em todas as suspeitas de
abuso dos pais.
Mas proteger crianças é uma coisa.
Destruir famílias, aparentemente por razões banais, é outra. No entanto, isso é
o que Keira acusa o Dr. Hibbert de ter feito, e em uma escala espantosa.
O primeiro sinal de alerta surgiu quando
Keira sentiu que o Dr. Hibbert queria que sua equipe tivesse como prioridade registrar
apenas os aspectos negativos que observavam.
E ela ficou assombrada quando os
pais eram submetidos a tarefas bizarras e, acreditava ela, injustas, para
avaliar como se comportavam.
Ela assistiu a uma jovem mãe
fazendo esforço para utilizar o aspirador nas escadas enquanto segurava um
bebê. Outra foi enviada ao supermercado com o bebê para carregar sozinha uma
enorme quantidade de compras para 14 pessoas.
Mas sua estupefação com os métodos
do Dr. Hibbert se transformaram em terror quando ela viu que quando os pais
“fracassavam” nas tarefas para os padrões elevados (ou “impossíveis”, como ela
colocou) do Dr. Hibbert, isso contava para eles negativamente, e seus filhos lhes
eram tirados.
E o que lhe assombra é que algumas
vezes sobrava para ela a responsabilidade tirar as crianças dos pais a força.
O caso que ainda lhe tira o sono
envolveu uma jovem mãe chamada Anna, uma mulher que Keira havia observado por
14 semanas e considerava uma boa mãe. Ela vinha de um histórico difícil, mas
não havia provas de que ela era abusiva ou negligente com relação ao seu bebê.
Sob investigação: Dr. George Hibbert em frente do Centro de Aconselhamento Familiar em Swindon |
No entanto, um dia, às 5 horas da
manhã, Keira estava trabalhando no centro de aconselhamento familiar quando
Anna apareceu chorando. Estava com o bebê nos braços, andando impacientemente
de um lado a outro e aos prantos, implorando a ajuda de Keira.
“Ela estava convencida de que iria
para casa sem seu bebê porque pensava que havia fracassado. Estava histérica.
Perguntava repetidamente: ‘Você acha que sou uma boa mãe?’ Minha resposta era
sim, mas não havia nada que eu poderia fazer. O Dr. Hibbert havia tomado sua
decisão”.
Mais tarde, foi Keira quem teve que
tirar o bebê dos braços dessa mãe. “Foi a pior coisa que já tive que fazer”,
afirma.
Mas Anna não foi um caso isolado. A
frequência com que bebês eram tirados dos seus pais em razão das práticas do
Dr. Hibbert ainda não é conhecida. Mas Keira não foi a única a temer que seu
chefe estava abusando de seus poderes.
Algumas semanas antes, o Dr.
Hibbert se ofereceu para abrir mão de sua licença quando o Conselho Geral de
Medicina abriu uma investigação por causa da acusação de que ele teria
deliberadamente feito um diagnóstico errado, de que mães apresentavam distúrbios
mentais, para atender às exigências das assistentes sociais.
O Conselho negou a oferta do Dr.
Hibbert, e está investigando sua competência para exercer sua profissão.
É a primeira vez que um membro de
sua equipe se manifestou para falar sobre o que dizem acontecer dentro de um
dos seus centros de aconselhamento familiar.
Keira trabalhou por mais de um ano
para o Dr. Hibbert no centro Windmill House, na cidade de Swindon. Seu relato,
que foi dado com a condição de que sua identidade fosse mantida em sigilo,
descreve o horrível cenário nas vidas dos pais sobre os quais Hibbert disse às
varas familiares serem “inaptos” para cuidarem de seus filhos.
Não se conhece o número de famílias
que foram destruídas pelo Dr. Hibbert, mas Keira confirma que devem ser
“muitas”.
Entre quatro e oito famílias viviam
em Windmill House em qualquer dado momento, com Keira e suas colegas
observando-os 24 horas por dia, inspecionando todas as interações dos pais com
seus filhos.
Era como “a casa do Big Brother”,
afirma, “mas 100 vezes pior, porque se eles fizessem algo que fosse considerado
errado, corriam o risco de perder seus filhos”.
Mesmo à noite, afirma Keira, a
equipe escutava a interação entre pais e filhos (e, no caso de casais, suas conversas
íntimas) por meio de babás eletrônicas.
Ela afirma que as mães não tinham
privacidade nem mesmo para amamentar seus filhos. “Sempre achei isso muito
invasivo” afirma Keira.
“Quando estava observando os pais
no mesmo recinto, costumava beber lentamente um copo d’agua ou fazer palavras
cruzadas para que eles não se sentissem tão observados”.
Talvez essa intrusão fosse
justificada se as observações sobre as interações dos pais com seus filhos
tivessem sido honestas.
Keira afirma que as coisas começaram
de uma forma equilibrada, com a equipe sendo orientada a escrever, nas margens
das suas abundantes anotações, um pequeno “G” (good) para boas atitudes, “B”
(bad) para más atitudes, e “R” para ações rotineiras.
Mas depois, segundo ela, eles
entenderam que tinham que anotar apenas os aspectos ruins das ações que
observavam.
Ela afirma: “O Dr. Hibbert disse:
‘Tudo o que quero, tudo o que preciso é que vocês destaquem tudo o que for
ruim’. Não incluíamos quaisquer boas ações dos pais porque as varas não iriam
considerá-las como interpretação”.
A equipe estava horrorizada,
acreditando que isso iria gerar uma “visão distorcida”.
“Não acredito que qualquer pessoa
tenha achado isso correto”, afirma Keira, “mas ele disse que tínhamos que
reduzir a papelada que repassávamos a ele”.
Outro método do Dr. Hibbert era o
de submeter os pais a tarefas bizarras, como trocar o pneu de um carro enquanto
cuidava de um bebê.
“Os testes eram ridículos”, afirma
Keira. “Vários dos membros da equipe disseram que se estivéssemos na mesma
situação, iríamos fracassar. Era um ambiente totalmente improvável e falso”.
Mas, por incrível que pareça, as
mães com frequência se saiam bem nas tarefas, apesar das dificuldades. “Elas
estavam desesperadas para passar”, lembra Keira.
Embora ela e seus colegas tivessem
que observar os pais 24 horas por dia, Keira afirma que o Dr. Hibbert raramente
estava em Windmill House.
A equipe o via ocasionalmente
entrando e saindo do estacionamento em um dos seus Porsches (um preto e um
prata), ou aparecendo no escritório para pegar um dos seus ternos de grife, que
alguém da equipe havia levado para lavar a seco.
Mas Keira alega que “nunca” viu o
psiquiatra de fato observar os pais com seus filhos antes de escrever seus
relatórios para as varas de família, o que seria extraordinário se fosse sempre
o caso, considerando que esse homem estava ganhando um salário muito alto à
custa dos cidadãos que pagam impostos para fazer uma “avaliação intensiva e
multifacetada” de uma mãe por mais de 12 semanas.
“No ano em que estava lá, não o vi
uma única vez observar um pai ou mãe com seu bebê”, afirma Keira. “Era
ridículo. Como ele pode dar uma opinião de especialista sobre o comportamento
dos pais se ele nem sequer os observou?”
O Dr. Hibbert admitiu que limitou
suas interações com os pais por causa dos fortes efeitos que isso poderia
causar.
No entanto, poucos teriam
suspeitado de que ele raramente observava as pessoas cuidando de seus filhos.
Não apenas isso, as somas cobradas
pelo Dr. Hibbert para seus aconselhamentos familiares são espantosas. As varas
de família têm pago milhares de libras por semana por seus pareceres.
Cada pai com um filho na unidade
lhe rendem £4.100 (cerca de R$ 12.000) por semana. Esse valor sobe para £6.150
(cerca de R$19.000) para um casal e um filho, ou £8.200 (cerca de R$25.000)
para um casal e dois filhos.
Em determinado momento em 2010,
quando ele tinha 11 residentes no centro de uma vez, o Dr. Hibbert estava
recebendo mais de £40.000 por semana, mais £210 (cerca de R$650) que cobrava
por cada hora em que tem que ler a papelada dos pais.
Essa conta era dividida entre as
autoridades locais, o representante legal da criança e o advogado que atuava
como procurador dos pais. Em outras palavras, dinheiro público.
Apesar dos enormes custos, os
aconselhamentos do Dr. Hibbert parecem depender em grande parte de anotações
feitas por membros de sua equipe, alguns de até 19 anos.
Keira insiste que o Dr. Hibbert
geralmente via os pais por não mais do que 20 minutos por semana. Os
funcionários, que recebiam um salário de £16,500 (cerca de R$ 50.000) por ano,
ficavam com a responsabilidade de observar os pais por ele.
“Não éramos especialistas, nenhum
de nós era”, confirma Keira. “Alguns não tinham qualificação nenhuma. No
entanto, éramos nós que de fato observávamos os pais com seus filhos”.
Com os pais arcando com a própria
alimentação, cozinhando e cuidando da limpeza sozinhos, os funcionários
comentavam que o Dr. Hibbert “devia estar faturando muito alto com o seu centro
de aconselhamento familiar”. No entanto, esse era apenas um dos seus bicos
altamente rentáveis.
Ele também ganhava uma fortuna
testemunhando em julgamentos como especialista, para o qual cobra a absurda
quantia de £1.800 (cerca de R$ 5.500) por dia. E por incrível que pareça, ele
ainda faturava £105 (cerca de R$300) por hora pelo tempo de viagem de ida e
volta das audiências, mais cerca de £0,72 (cerca de R$2,20) por quilômetro como
custo de combustível.
“Não sei com que frequência ele ia
a audiências, mas era mais ou menos uma vez por mês”, lembra Keira. Segundo
ela, ele não era um chefe gentil, e alega que ele estava sujeito a crises de
“mau humor” e costumava “andar pesado” quando estava irritado. Keira o descreve
como uma “presença intimidadora”.
“Ele me olhava com desprezo”,
afirma. “Ele era mais inteligente, ele era quem sabia de tudo; nós éramos
apenas seus lacaios. Nunca encontrei alguém tão cheio de si. Também se achava
uma dádiva de Deus para as mulheres”.
No ano em que trabalhou no centro,
vários funcionários pediram demissão devido ao que Keira acreditava ser
problemas com o Dr. Hibbert.
E não demorou muito até que ela
começasse a ter sérias dúvidas. “Com algumas mães, parecia não importar o que
escrevíamos”, afirma ela. “Parecia que ele tinha tomado sua decisão a respeito
delas desde o início”.
Outras, acredita ela, eram criticadas
“por nada”.
Um jovem pai foi acusado de ter
“tendências pedófilas” depois que uma assistente social o observou deitado no
chão com sua filha assistindo televisão.
Outro foi acusado de ter um estilo
“invasivo” porque gostava de fazer cócegas em sua filha, no que Keira afirmava
que o bebê “simplesmente adorava”.
O caso mais bizarro foi o caso de
uma mãe casada que gostava de escrever lembretes. “O Dr. Hibbert nos disse que
escrever lembretes não era um comportamento normal. Ele disse que era
obsessivo. “Todos nós dissemos: pera lá, nós fazemos isso também!”
Mas os pais não tinham como ganhar.
“Se os pais não confiavam nele,
eram rotulados de paranoicos”, lembra-se Keira. “Se ficassem tristes, ele dizia
que não eram estáveis”.
O fim da picada com o Dr. Hibbert
veio quando ela observou uma reunião que ele teve com uma mulher que descrevia
como ela uma vez foi estuprada.
A reação do psiquiatra deixou Keira
chocada. Ela afirma: “Eu o vi colocar os dedos nos ouvidos e dizer: ‘Nã nã nã,
não estou escutando’. Não pude acreditar no que eu estava vendo. Não tive a
impressão de que ele tinha um pingo de empatia”.
No início de 2010, o Dr. Hibbert
abriu mais quatro quartos no seu centro de aconselhamento.
Mas poucos meses depois de ter
aberto o prédio extra (chamado de O Anexo), de repente ele fechou todo o
centro.
Disseram aos funcionários que os
negócios com as autoridades locais estavam ficando escassos devido à situação
econômica, e que toda a equipe iria perder o emprego.
“Foi muito estranho”, lembra Keira.
“Alguma coisa não estava certa. Ele gastou todo esse dinheiro equipando o
prédio, e ainda estávamos recebendo ligações das autoridades locais nos pedindo
que internássemos mais famílias”.
Foi apenas mais tarde que Keira
descobriu o que acredita ser a verdadeira razão de o centro ter fechado tão
abruptamente: seu ex-chefe estava sendo investigado pelo Conselho Geral de
Medicina.
Uma jovem mãe alegou que ele
deliberadamente a diagnosticou com transtorno bipolar, uma decisão que trouxe
como consequência a perda de seu filho.
Na última sexta-feira, um porta-voz
do Dr. Hibbert disse: “A Sociedade de Proteção Médica, em nome do Dr. Hibbert,
confirma que não foi encontrado nada contra ele pelo Conselho Geral de Medicina
ou qualquer outra entidade. O Dr. Hibbert não pode comentar a respeito de
investigações em andamento devido ao seu compromisso de confidencialidade dos
pais e suas obrigações profissionais”.
Quanto a Keira, ela afirma que quer
ir ao Conselho contar sua história.
E acrescenta: “Pessoalmente, quero
que ele seja processado, tenha seus bens confiscados e vá para a cadeia. O que
ele fez é imperdoável”.
Alguns nomes foram alterados.
Traduzido por Luis Gustavo Gentil do artigo do Daily
Mail: “'I never saw him observing parents
with children': The woman who said she was forced to take babies from their
mothers by the 'expert' who played God”
Fonte:
www.juliosevero.com
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