Alguns leitores podem ter estranhado o
fato de que ainda não me manifestei sobre as “adaptações” das obras de
Machado de Assis para uma linguagem mais, digamos, simples e popular. É
que certas aberrações eu procuro evitar, pois já lido com uma cota
excessiva de lixo diário, tendo de acompanhar as falcatruas do PT na
política e a mediocridade dos resultados econômicos.
Mas creio que minha opinião sobre o
assunto não seja algo difícil de inferir. Condeno o culto à
mediocridade, o “igualitarismo” de resultados que nivela todos pelo
menor denominador comum. Logo, é claro que considero um acinte a
iniciativa da tal “escritora”, financiada com vastos recursos públicos,
de “popularizar” a linguagem do grande escritor brasileiro para torná-la
mais acessível.
Este foi o tema da coluna
de João Ubaldo Ribeiro hoje no GLOBO. Com sua fina ironia, o escritor
baiano ridicularizou a coisa toda, e ainda antecipou algumas prováveis
conseqüências desse marco inicial, que abre as porteiras para novas
medidas “democráticas” na literatura. Por que parar aí? Se o estilo da
escrita não é parte indissociável de uma obra, e se o único objetivo em
mente é “popularizar” tudo, então há muito mais que ser feito. Por
exemplo:
Os laços
lógicos desse paternalismo condescendente desafiam a imaginação e, num
contexto em que cada vez mais o Estado (ou seja, no nosso caso, o
governo) mete o bedelho na vida individual de seus súditos, podemos
temer qualquer coisa. Quanto a Machado de Assis, não se pode fazer mais
nada, além de reescrever seus textos. Mas, quanto aos autores
vivos, pode-se incentivá-los (ou obrigá-los, conforme o momento) a ater
seus escritos ao Vocabulário Popular Brasileiro, que um dia destes
pipoca por aí, tem muita gente no governo sem ter o que fazer. Constará
ele das 1.200 palavras compreensíveis pela melhor parte da juventude e
do povo brasileiros e, para não ser elitista, quem publicar livro ou
matéria de jornal não deve passar delas e quem usar uma palavra
considerada difícil não apenas será sempre vaiado quando em público,
como pagará uma multa por vocábulo metido a sebo.
Novos
empregos serão abertos, para enfrentar a tarefa hercúlea de atualizar
nossa literatura. Para que os poetas precisam de tantas palavras, quando
as do Vocabulário seriam suficientes para exprimir qualquer sentimento
ou percepção? Ou o elitista diria o contrário, menosprezando
preconceituosamente a sensibilidade e a criatividade do povão? E rima,
meu Deus do céu, para que se usou tanto rima, uma coisa hoje em dia
completamente superada? E ordens inversas, palavras postas fora do
lugar, que só podem confundir o leitor comum? Por essas e outras é que
os jovens também não lêem poesia.
A gente ri para não chorar. Não dê ideia,
João Ubaldo! Em nome da “democracia”, da “inclusão social” e do combate
ao “elitismo”, os ressentidos estão dispostos a atacar com todas as
armas tudo aquilo que presta. É a revolta dos recalcados e rancorosos,
contra tudo que vem de cima, superior, melhor. “Nóis pega o peixe” é uma
forma “apenas diferente” de se expressar, e ai de quem disser que está
errado!
O relativismo é total, estético e, por tabela, ético. Quem disse que lixo não é arte? Lixo é arte sim! Tudo é
arte, logo, nada é arte. E assim os incompetentes, sem vocação e
habilidade verdadeiras, incapazes de produzir uma obra de valor,
conseguem matar a arte legítima. “Chega da ditadura do belo!”, eles
bradam. É preciso dar um espaço ao feio, ruim, medíocre, “popular”. E
João Ubaldo tem mais algumas dicas a essa turma:
E a lição se
estende da literatura às outras artes. O povo não gosta de música
erudita porque são aquelas peças vagarosas e demoradas demais. De novo, a
solução virá ao adaptarmos Bach a ritmos funk, fazermos arranjos de
sinfonias de Beethoven em compasso de pagode e trechos de no máximo
cinco minutos cada e organizarmos uma coleção axé das obras de
Villa-Lobos. Tudo para distribuição gratuita, como acontecerá com os
livros de Machado reescritos, pois continuamos a ser um dos poucos povos
do mundo que acreditam na existência de alguma coisa gratuita. E talvez
o único em que o governo chancela, com dinheiro do cidadão, o
aviltamento de marcos essenciais ao autorrespeito cultural e à
identidade da nação, ao tempo em que incentiva o empobrecimento da
língua e a manutenção do atraso e do privilégio.
Bach a ritmo de funk e Beethoven em
compaso de pagode? É, a gente ri para não chorar. O culto à mediocridade
venceu. Parabéns aos invejosos e niilistas…
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