quinta-feira, 1 de julho de 2021

Brasil tem as piores urnas do mundo

 STF pressiona deputados para que votem contra a PEC do Voto Auditável e mantenham o sistema eleitoral mais obsoleto e vulnerável do planeta



Em 1996, a banda Los Del Río fez grande sucesso nas rádios brasileiras com a irritante canção espanhola “Macarena”. Naquela época, você costumava pegar várias fitas VHS na locadora para assistir no fim de semana, mas tinha de devolvê-las rebobinadas, senão pagava multa. Em março daquele ano, o Brasil chorou a morte prematura dos Mamonas Assassinas em um desastre aéreo, mas as suas canções bem-humoradas continuaram fazendo sucesso com as crianças. Os arquivos dos computadores ficavam gravados em disquetes. Quase ninguém tinha internet, que era lenta e discada; para procurar os sites, era necessário recorrer aos buscadores Cadê e Altavista. O ICQ só surgiria no ano seguinte; Joan Osborne cantava “One of Us”, enquanto Monzas, Del Reys e Pálios disputavam espaço nas ruas. De repente, tocava um telefone na esquina, e alguém tirava da pasta um enorme celular tijolão modelo TT-550, que podia ser usado como arma.

Pois é. Foi no ano de 1996 que as urnas eletrônicas começaram a ser usadas no Brasil. Na época, representavam um grande avanço tecnológico, principalmente pela rapidez nos resultados. Eram as chamadas urnas de primeira geração, conhecidas pela sigla DRE (direct recording eletronic, em inglês). O Brasil, juntamente com a Holanda e a Índia, foi pioneiro na utilização desse equipamento.

Como relator da comissão especial que analisa a PEC do voto auditável, o deputado federal Filipe Barros (PSL-PR), que ainda era criança quando ocorriam os fatos descritos no primeiro parágrafo, realizou audiências públicas nas quais falaram 30 especialistas em segurança eletrônica e apuração eleitoral para avaliar a quantas anda a confiabilidade do sistema de votação brasileiro. E o que ele descobriu, e expôs em seu relatório, é nada menos que assustador: as urnas que nós usamos para as eleições são as mesmas de 1996. Dos 195 países do mundo, apenas três utilizam unicamente a velha urna de primeira geração para o processo eleitoral: Brasil, Bangladesh e Butão. Vou repetir: Brasil, Bangladesh e Butão. Se há 25 anos nós estávamos no trio de vanguarda, hoje estamos no trio do retrocesso.

“Há 25 anos, quando as urnas eletrônicas começaram a ser usadas, elas trouxeram benefícios, principalmente no resultado mais rápido; mas elas também trouxeram um problema sério: tiraram do eleitor a possibilidade de fiscalizar e confirmar o seu próprio voto”, diz Filipe Barros, que apresentou o relatório da PEC do Voto Auditável na última segunda-feira (28).

Quando os cientistas da informação e técnicos em segurança no mundo todo perceberam essa deficiência nas urnas de primeira geração, passaram a concentrar esforços em desenvolver um modelo mais seguro e confiável: surgiram as urnas VVPAT (voter verifiable paper audit trail, em inglês), que reproduzem o voto simultaneamente de forma digital e de forma impressa. As urnas eletrônicas de segunda geração mantêm a rapidez e a eficácia das urnas de primeira e permitem que o eleitor fiscalize e visualize o seu próprio voto.

Independência de software

A partir do desenvolvimento das urnas de segunda geração, ganhou força, entre as nações democráticas, o conceito de independência de software. Segundo esse princípio, uma eleição que depende unicamente de um software não pode ser 100% confiável. “Por mais que sejam adotados protocolos de segurança, não se pode ter certeza absoluta de que os votos das urnas de primeira geração não foram invadidos e de que não houve um desvio de votos”, observa o deputado. “As urnas de segunda geração garantem que o resultado da eleição não será alterado caso haja adulteração do software. O princípio de independência de software norteia o controle de segurança das eleições em todos os países democráticos.”

O Brasil, além de ser um dos três únicos países que usam somente a urna de primeira geração, tem ainda uma jaboticaba eleitoral: só aqui a mesma urna — essa urna obsoleta — reúne em si as etapas da habilitação do eleitor (biometria), do registro do voto e da apuração do voto. No ano de 2006, o respeitadíssimo Brennan Center of Justice, da Universidade de Nova York, elaborou um relatório analisando três tipos de urnas — as brasileiras DRE, as VVPAT e as urnas com leitoras de cartão — e chegou a uma conclusão preocupante: dos 120 tipos de fraudes possíveis em sistemas eletrônicos de votação, a mais fácil de ser aplicada é o suborno de um técnico que tenha acesso ao software das urnas de primeira geração DRE. Depois do relatório do Brennan-NYU, todos os países democráticos abandonaram as urnas de primeira geração. Todos — exceto Brasil, Bangladesh e Butão.

Em suma, nós estamos usando as piores urnas do mundo.

 O trio togado contra o voto auditável

Qualquer pessoa de bom senso concluiria, então, que o sistema de votação deve ser aperfeiçoado. Não se trata de voltar ao velho sistema de cédulas, mas sim de melhorar o atual sistema para que se possa auditar a eleição no caso de suspeitas de fraude. Mas nós, nunca é demais lembrar, estamos no Brasil. E os parlamentares brasileiros, apesar de simpáticos à proposta, começaram a receber pressão de um trio togado que atravessou a Praça dos Três Poderes para evitar a aprovação da PEC do Voto Auditável. Defensores ardorosos de um sistema obsoleto e vulnerável a fraudes, os ministros do STF Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes convenceram os presidentes de 11 partidos a adotarem uma posição contrária à mudança que traria confiabilidade ao sistema eleitoral brasileiro.

Os chefões partidários já se apressaram em trocar os membros da comissão que analisa a PEC; isso quer dizer que a proposta corre o risco de nem sequer ir ao Plenário da Câmara. Se o plano dos supremos funcionar, as próximas eleições brasileiras serão realizadas sob a nuvem da desconfiança — com as piores e mais vulneráveis urnas do mundo.

Fonte: https://brasilsemmedo.com/brasil-tem-as-piores-urnas-do-mundo/

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