sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Didaquê - A Instrução dos Doze Apóstolos


Um documento cristão importante, intrigante, fascinante e instrutivo. A Didaquê era altamente valorizada no Egito, tendo um grande valor histórico para o cristianismo e aprofundou o conhecimento dos primórdios da Igreja!


 
Parte I - O Caminho da Vida e o Caminho da Morte

CAPÍTULO I

1. Existem dois caminhos: o caminho da vida e o caminho da morte. Há uma grande diferença entre os dois.
2. Este é o caminho da vida: primeiro, ame a Deus que o criou; segundo, ame a seu próximo como a si mesmo. Não faça ao outro aquilo que você não quer que façam a você.
3. Este é o ensinamento derivado dessas palavras: bendiga aqueles que o amaldiçoam, reze por seus inimigos e jejue por aqueles que o perseguem. Ora, se você ama aqueles que o amam, que graça você merece? Os pagãos também não fazem o mesmo? Quanto a você, ame aqueles que o odeiam e assim você não terá nenhum inimigo.
4. Não se deixe levar pelo instinto. Se alguém lhe bofeteia na face direita, ofereça-lhe também a outra face e assim você será perfeito. Se alguém o obriga a acompanhá-lo por um quilômetro, acompanhe-o por dois. Se alguém lhe tira o manto, ofereça-lhe também a túnica. Se alguém toma alguma coisa que lhe pertence, não a peça de volta porque não é direito.
5. Dê a quem lhe pede e não peças de volta pois o Pai quer que os seus bens sejam dados a todos. Bem-aventurado aquele que dá conforme o mandamento pois será considerado inocente. Ai daquele que recebe: se pede por estar necessitado, será considerado inocente; mas se recebeu sem necessidade, prestará contas do motivo e da finalidade. Será posto na prisão e será interrogado sobre o que fez... e daí não sairá até que devolva o último centavo.
6. Sobre isso também foi dito: que a sua esmola fique suando nas suas mãos até que você saiba para quem a está dando.

CAPÍTULO II

1. O segundo mandamento da instrução é:
2. Não mate, não cometa adultério, não corrompa os jovens, não fornique, não roube, não pratique a magia nem a feitiçaria. Não mate a criança no seio de sua mãe e nem depois que ela tenha nascido.
3. Não cobice os bens alheios, não cometa falso juramento, nem preste falso testemunho, não seja maldoso, nem vingativo.
4. Não tenha duplo pensamento ou linguajar pois o duplo sentido é armadilha fatal.
5. A sua palavra não deve ser em vão, mas comprovada na prática.
6. Não seja avarento, nem ladrão, nem fingido, nem malicioso, nem soberbo. Não planeje o mal contra o seu próximo.
7. Não odeie a ninguém, mas corrija alguns, reze por outros e ame ainda aos outros, mais até do que a si mesmo.

CAPÍTULO III

1. Filho, procure evitar tudo aquilo que é mau e tudo que se parece com o mal.
2. Não seja colérico porque a ira conduz à morte. Não seja ciumento também, nem briguento ou violento, pois o homicídio nasce de todas essas coisas.
3. Filho, não cobice as mulheres pois a cobiça leva à fornicação. Evite falar palavras obscenas e olhar maliciosamente já que os adultérios surgem dessas coisas.
4. Filho, não se aproxime da adivinhação porque ela leva à idolatria. Não pratique encantamentos, astrologia ou purificações, nem queira ver ou ouvir sobre isso, pois disso tudo nasce a idolatria.
5. Filho, não seja mentiroso pois a mentira leva ao roubo. Não persiga o dinheiro nem cobice a fama porque os roubos nascem dessas coisas.
6. Filho, não fale demais pois falar muito leva à blasfêmia. Não seja insolente, nem tenha mente perversa porque as blasfêmias nascem dessas coisas.
7. Seja manso pois os mansos herdarão a terra.
8. Seja paciente, misericordioso, sem maldade, tranquilo e bondoso. Respeite sempre as palavras que você escutou.
9. Não louve a si mesmo, nem se entrege à insolência. Não se junte com os poderosos, mas aproxima dos justos e pobres.
10. Aceite tudo o que acontece contigo como coisa boa e saiba que nada acontece sem a permissão de Deus.

CAPÍTULO IV

1. Filho, lembre-se dia e noite daquele que prega a Palavra de Deus para você. Honre-o como se fosse o próprio Senhor, pois Ele está presente onde a soberania do Senhor é anunciada.
2. Procure estar todos os dias na companhia dos fiéis para encontrar forças em suas palavras.
3. Não provoque divisão. Ao contrário, reconcilia aqueles que brigam entre si. Julgue de forma justa e corrija as culpas sem distinguir as pessoas.
4. Não hesite sobre o que vai acontecer.
5. Não te pareças com aqueles que dão a mão quando precisam e a retiram quando devem dar.
6. Se o trabalho de suas mãos te rendem algo, as ofereça como reparação pelos seus pecados.
7. Não hesite em dar, nem dê reclamando porque, na verdade, você sabe quem realmente pagou sua recompensa.
8. Não rejeite o necessitado. Compartilhe tudo com seu irmão e não diga que as coisas são apenas suas. Se vocês estão unidos nas coisas imortais, tanto mais estarão nas coisas perecíveis.
9. Não se descuide de seu filho ou filha. Muito pelo contrário, desde a infância instrua-os a temer a Deus.
10. Não dê ordens com rudeza ao seu escravo ou escrava pois eles também esperam no mesmo Deus que você; assim, não perderão o temor de Deus, que está acima de todos. Certamente Ele não virá chamar a pessoa pela aparência, mas somente aqueles que foram preparados pelo Espírito.
11. Quanto a vocês, escravos, obedeçam aos seus senhores, com todo o respeito e reverência, como à própria imagem de Deus.
12. Deteste toda a hipocrisia e tudo aquilo que não agrada o Senhor.
13. Não viole os mandamentos do Senhor. Guarde tudo aquilo que você recebeu: não acrescente ou retire nada.
14. Confesse seus pecados na reunião dos fiéis e não comece a orar estando com má consciência. Este é o caminho da vida.

CAPÍTULO V

1. Este é o caminho da morte: primeiro, é mau e cheio de maldições - homicídios, adultérios, paixões, fornicações, roubos, idolatria, magias, feitiçarias, rapinas, falsos testemunhos, hipocrisias, coração com duplo sentido, fraudes, orgulho, maldades, arrogância, avareza, palavras obscenas, ciúmes, insolência, altivez, ostentação e falta de temor de Deus.
2. Nesse caminho trilham os perseguidores dos justos, os inimigos da verdade, os amantes da mentira, os ignorantes da justiça, os que não desejam o bem nem o justo julgamento, os que não praticam o bem mas o mal. A calma e a paciência estão longe deles. Estes amam as coisas vãs, são ávidos por recompensas, não se compadecem com os pobres, não se importam com os perseguidos, não reconhecem o Criador. São também assassinos de crianças, corruptores da imagem de Deus, desprezam os necessitados, oprimem os aflitos, defendem os ricos, julgam injustamente os pobres e, finalmente, são pecadores consumados. Filho, afaste-se disso tudo.

CAPÍTULO VI

1. Fique atento para que ninguém o afaste do caminho da instrução, pois quem faz isso ensina coisas que não pertencem a Deus.
2. Você será perfeito se conseguir carregar todo o jugo do Senhor. Se isso não for possível, faça o que puder.
3. A respeito da comida, observe o que puder. Não coma nada do que é sacrificado aos ídolos pois esse culto é destinado a deuses mortos.

Parte II - A Celebração Litúrgica

CAPÍTULO VII

1. Quanto ao batismo, faça assim: depois de ditas todas essas coisas, batize em água corrente, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
2. Se você não tiver água corrente, batize em outra água. Se não puder batizar com água fria, faça com água quente.
3. Na falta de uma ou outra, derrame água três vezes sobre a cabeça, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
4. Antes de batizar, tanto aquele que batiza como o batizando, bem como aqueles que puderem, devem observar o jejum. Você deve ordenar ao batizando um jejum de um ou dois dias.

CAPÍTULO VIII

1. Os seus jejuns não devem coincidir com os dos hipócritas. Eles jejuam no segundo e no quinto dia da semana. Porém, você deve jejuar no quarto dia e no dia da preparação.
2. Não reze como os hipócritas, mas como o Senhor ordenou em seu Evangelho. Reze assim: "Pai nosso que estás no céu, santificado seja o teu nome, venha o teu Reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu; o pão-nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai nossa dívida, assim como também perdoamos os nossos devedores e não nos deixes cair em tentação, mas livrai-nos do mal porque teu é o poder e a glória para sempre".
3. Rezem assim três vezes ao dia.

CAPÍTULO IX

1. Celebre a Eucaristia assim:
2. Diga primeiro sobre o cálice: "Nós te agradecemos, Pai nosso, por causa da santa vinha do teu servo Davi, que nos revelaste através do teu servo Jesus. A ti, glória para sempre".
3. Depois diga sobre o pão partido: "Nós te agradecemos, Pai nosso, por causa da vida e do conhecimento que nos revelaste através do teu servo Jesus. A ti, glória para sempre.
4. Da mesma forma como este pão partido havia sido semeado sobre as colinas e depois foi recolhido para se tornar um, assim também seja reunida a tua Igreja desde os confins da terra no teu Reino, porque teu é o poder e a glória, por Jesus Cristo, para sempre".
5. Que ninguém coma nem beba da Eucaristia sem antes ter sido batizado em nome do Senhor pois sobre isso o Senhor disse: "Não dêem as coisas santas aos cães".

CAPÍTULO X

1. Após ser saciado, agradeça assim:
2. "Nós te agradecemos, Pai santo, por teu santo nome que fizeste habitar em nossos corações e pelo conhecimento, pela fé e imortalidade que nos revelaste através do teu servo Jesus. A ti, glória para sempre.
3. Tu, Senhor onipotente, criaste todas as coisas por causa do teu nome e deste aos homens o prazer do alimento e da bebida, para que te agradeçam. A nós, porém, deste uma comida e uma bebida espirituais e uma vida eterna através do teu servo.
4. Antes de tudo, te agradecemos porque és poderoso. A ti, glória para sempre.
5. Lembra-te, Senhor, da tua Igrreja, livrando-a de todo o mal e aperfeiçoando-a no teu amor. Reúne dos quatro ventos esta Igreja santificada para o teu Reino que lhe preparaste, porque teu é o poder e a glória para sempre.
6. Que a tua graça venha e este mundo passe. Hosana ao Deus de Davi. Venha quem é fiel, converta-se quem é infiel. Maranata. Amém."
7. Deixe os profetas agradecerem à vontade.

Parte III - A Vida em Comunidade

CAPÍTULO XI

1. Se vier alguém até você e ensinar tudo o que foi dito anteriormente, deve ser acolhido.
2. Mas se aquele que ensina é perverso e ensinar outra doutrina para te destruir, não lhe dê atenção. No entanto, se ele ensina para estabelecer a justiça e conhecimento do Senhor, você deve acolhê-lo como se fosse o Senhor.
3. Já quanto aos apóstolos e profetas, faça conforme o princípio do Evangelho.
4. Todo apóstolo que vem até você deve ser recebido como o próprio Senhor.
5. Ele não deve ficar mais que um dia ou, se necessário, mais outro. Se ficar três dias é um falso profeta.
6. Ao partir, o apóstolo não deve levar nada a não ser o pão necessário para chegar ao lugar onde deve parar. Se pedir dinheiro é um falso profeta.
7. Não ponha à prova nem julgue um profeta que fala tudo sob inspiração, pois todo pecado será perdoado, mas esse não será perdoado.
8. Nem todo aquele que fala inspirado é profeta, a não ser que viva como o Senhor. É desse modo que você reconhece o falso e o verdadeiro profeta.
9. Todo profeta que, sob inspiração, manda preparar a mesa não deve comer dela. Caso contrário, é um falso profeta.
10. Todo profeta que ensina a verdade mas não pratica o que ensina é um falso profeta.
11. Todo profeta comprovado e verdadeiro, que age pelo mistério terreno da Igreja, mas que não ensina a fazer como ele faz não deverá ser julgado por você; ele será julgado por Deus. Assim fizeram também os antigos profetas.
12. Se alguém disser sob inspiração: "Dê-me dinheiro" ou qualquer outra coisa, não o escutem. Porém, se ele pedir para dar a outros necessitados, então ninguém o julgue.

CAPÍTULO XII

1. Acolha toda aquele que vier em nome do Senhor. Depois, examine para conhecê-lo, pois você tem discernimento para distinguir a esquerda da direita.
2. Se o hóspede estiver de passagem, dê-lhe ajuda no que puder. Entretanto, ele não deve permanecer com você mais que dois ou três dias, se necessário.
3. Se quiser se estabelecer e tiver uma profissão, então que trabalhe para se sustentar.
4. Porém, se ele não tiver profissão, proceda de acordo com a prudência, para que um cristão não viva ociosamente em seu meio.
5. Se ele não aceitar isso, trata-se de um comerciante de Cristo. Tenha cuidado com essa gente!

CAPÍTULO XIII

1. Todo verdadeiro profeta que queira estabelecer-se em seu meio é digno do alimento.
2. Assim também o verdadeiro mestre é digno do seu alimento, como qualquer operário.
3. Assim, tome os primeiros frutos de todos os produtos da vinha e da eira, dos bois e das ovelhas, e os dê aos profetas, pois são eles os seus sumos-sacerdotes.
4. Porém, se você não tiver profetas, dê aos pobres.
5. Se você fizer pão, tome os primeiros e os dê conforme o preceito.
6. Da mesma maneira, ao abrir um recipiente de vinho ou óleo, tome a primeira parte e a dê aos profetas.
7. Tome uma parte de seu dinheiro, da sua roupa e de todas as suas posses, conforme lhe parecer oportuno, e os dê de acordo com o preceito.

CAPÍTULO XIV

1. Reúna-se no dia do Senhor para partir o pão e agradecer após ter confessado seus pecados, para que o sacrifício seja puro.
2. Aquele que está brigado com seu companheiro não pode juntar-se antes de se reconciliar, para que o sacrifício oferecido não seja profanado.
3. Esse é o sacrifício do qual o Senhor disse: "Em todo lugar e em todo tempo, seja oferecido um sacrifício puro porque sou um grande rei - diz o Senhor - e o meu nome é admirável entre as nações".

CAPÍTULO XV

1. Escolha bispos e diáconos dignos do Senhor. Eles devem ser homens mansos, desprendidos do dinheiro, verazes e provados pois também exercem para vocês o ministério dos profetas e dos mestres.
2. Não os despreze porque eles têm a mesma dignidade que os profetas e os mestres.
3. Corrija uns aos outros, não com ódio, mas com paz, como você tem no Evangelho. E ninguém fale com uma pessoa que tenha ofendido o próximo; que essa pessoa não escute uma só palavra sua até que tenha se arrependido.
4. Faça suas orações, esmolas e ações da forma que você tem no Evangelho de nosso Senhor.

Parte IV - O Fim dos Tempos

CAPÍTULO XVI

1. Vigie sobre a vida uns dos outros. Não deixe que sua lâmpada se apague, nem afrouxe o cinto dos rins. Fique preparado porque você não sabe a que horas nosso Senhor chegará.
2. Reúna-se com frequência para que, juntos, procurem o que convém a vocês; porque de nada lhe servirá todo o tempo que viveu a fé se no último instante não estiver perfeito.
3. De fato, nos últimos dias se multiplicarão os falsos profetas e os corruptores, as ovelhas se transformarão em lobos e o amor se converterá em ódio.
4. Aumentando a injustiça, os homens se odiarão, se perseguirão e se trairão mutuamente. Então o sedutor do mundo aparecerá, como se fosse o Filho de Deus, e fará sinais e prodígios. A terra será entregue em suas mãos e cometerá crimes como jamais foram cometidos desde o começo do mundo.
5. Então toda criatura humana passará pela prova de fogo e muitos, escandalizados, perecerão. No entanto, aqueles que permanecerem firmes na fé serão salvos por aquele que os outros amaldiçoam.
6. Então aparecerão os sinais da verdade: primeiro, o sinal da abertura no céu; depois, o sinal do toque da trombeta; e, em terceiro, a ressurreição dos mortos.
7. Sim, a ressurreição, mas não de todos, conforme foi dito: "O Senhor virá e todos os santos estarão com ele".
8. Então o mundo assistirá o Senhor chegando sobre as nuvens do céu.



Sobre A DIDAQUÊ, por Alderi Souza de Matos

1. Título

Completo: Didaché tou Kuríou dià ton dódeka apostólon tois éthnesin = “Ensino (instrução, doutrina) do Senhor aos gentios através dos doze apóstolos”

Abreviado: “O ensino dos (doze) apóstolos” ou “A didaquê”

2. Importância:

“Um dos documentos mais fascinantes e ao mesmo tempo mais intrigantes a emergirem da igreja primitiva” (M. W. Holmes).

“Nenhum documento da igreja antiga tem se revelado tão desconcertante para os estudiosos como esse folheto aparentemente inocente” ... “A criança mimada da crítica” (C. C. Richardson).

“É a única evidência contemporânea direta que temos sobre as condições da vida da Igreja no período obscuro entre o Novo Testamento e a organização mais plenamente desenvolvida do 2º século” (M. Staniforth).

“O documento mais importante do período sub-apostólico e a mais antiga fonte de lei eclesiástica que possuímos... Enriqueceu e aprofundou de modo extraordinário o nosso conhecimento dos primórdios da Igreja” (J. Quasten).

3. Descoberta do manuscrito:

O título do documento era conhecido através de referências em vários escritores antigos.

Em 1873, Filoteos Bryennios, o metropolita grego de Nicomédia, encontrou na biblioteca do mosteiro do Santo Sepulcro (biblioteca do patriarca grego de Jerusalém), em Constantinopla (Istambul), um rolo de manuscritos em grego, datado de 1056, copiado por um escriba chamado Leo.

Tratava-se de 120 folhas de pergaminho contendo a Sinopse de Crisóstomo dos Livros do AT e do NT, a Epístola de Barnabé, as duas epístolas de Clemente, a Didaquê, a Epístola de Maria de Cassobelae a Inácio e a versão longa das cartas de Inácio (12 cartas).

Em 1883, dez anos após a descoberta, Bryennios publicou a Didaquê pela primeira vez, em Constantinopla. Em 1887, o manuscrito (Cod. 54 ou Codex Ierosolymitanus) foi levado para a biblioteca patriarcal de Jerusalém, onde se encontra até hoje.

Existem outras versões antigas da Didaquê: copta, etíope, georgiana e latina.

4. Testemunhos antigos:

As muitas menções de trechos da Didaquê em escritos da igreja antiga atestam a sua importância. Ela deve ter gozado de ampla circulação por algum tempo, sendo aceita pelo menos por uma parte da igreja como um livro digno de ser lido no culto divino. Clemente de Alexandria a cita uma vez como Escritura (graphé). (Strom. I, 20, 100)

Vários autores acharam necessário destacar que a Didaquê não possuía caráter canônico. Eusébio de Cesaréia refere-se a ela como um dos livros apócrifos ou espúrios (Hist. Ecles., III, 25, 4). Atanásio faz o mesmo, mas declara que ela ainda era usada na instrução catequética (Ep. Fest. 39).

O autor da Didascália (início do terceiro século) conhecia toda a Didaquê. Esta serve de base para o 7º livro das Constituições Apostólicas (Síria, quarto século). Os Dois Caminhos (caps. 1-6) são muito semelhantes aos capítulos 18-20 da Epístola de Barnabé (100-130 AD). É possível que ambos os documentos tenham se baseado em uma fonte comum. Grande parte desse material também aparece na Ordem Eclesiástica Apostólica (quarto século) e na Vida de Schnudi (quinto século).

5. Partes constitutivas:

O documento tem duas partes distintas:

(a) Os Dois Caminhos (1-6): código de moralidade cristã, apresentando as diferentes virtudes e vícios que constituem, respectivamente, o Caminho da Vida e o Caminho da Morte. Essa seção é uma adaptação de um tratado moral autônomo, provavelmente de origem judaica, que era conhecido e usado em Alexandria. No início do segundo século, esse texto judaico teria sido inserido em um primitivo manual eclesiástico – a Didaquê, recebendo importantes acréscimos cristãos.

(b) Manual eclesiástico (7-16): compêndio de regras que tratam de diversos aspectos da vida da igreja, tais como: batismo, jejum, eucaristia, missionários itinerantes, ministros locais, etc. São esses antigos regulamentos que conferem à Didaquê um interesse e importância singulares, pois refletem a vida de uma primitiva comunidade cristã na Síria (ou no Egito) no final do 1º século. (M. Staniforth)

Johannes Quasten faz uma divisão diferente: (a) instruções litúrgicas: caps. 1-10; (b) regulamentos disciplinares: caps. 11-15; (c) conclusão: a parousia do Senhor e deveres dela decorrentes: cap. 16. A primeira seção é composta de duas partes: regras de moralidade (1-6) e instruções litúrgicas (7-10).

Segundo o mesmo autor, alguns temas importantes do documento são: oração e liturgia, confissão, hierarquia, beneficência, eclesiologia e escatologia. Contém as mais antigas orações eucarísticas conhecidas e a única referência ao batismo por efusão nos dois primeiros séculos. Não faz nenhuma referência ao episcopado monárquico e aos presbíteros.

Roque Frangiotti divide o texto em quatro partes: (a) seção doutrinal ou catequética: caps. 1-6; (b) instruções litúrgicas: caps. 7-10; (c) instruções disciplinares: caps. 11-15; (d) epílogo sobre a segunda vinda de Cristo: cap. 16.

Uma versão latina, intitulada “Doctrina apostolorum” e correspondente à Didaquê 1-6 (sem 1.3b-2.1), apóia-se no texto grego de uma doutrina judaica tardia dos dois caminhos. Essa doutrina destinava-se à instrução moral de gentios desejosos de aderir à sinagoga como “tementes a Deus”. O escrito era intitulado “Didaché Kuríou tois éthnesin”. Pela inserção das palavras “diá ton dódeka apostólon” no título e pela interpolação de 1.3b-2.1, a doutrina recebeu um caráter cristão. (Altaner e Stuiber)

6. Autoria e data:

Autor: um ministro sagrado de idade avançada, formado na escola de Tiago, o Menor, que teria imigrado para a Síria por ocasião da guerra civil (R. Frangiotti). O documento teria sido colocado na forma presente no máximo até 150, embora pareça provável uma data mais próxima do final do primeiro século.

7. Evidências de antiguidade

    * O título “servo de Deus” aplicado a Jesus.
    * A simplicidade litúrgica e das orações.
    * As orações eucarísticas apontam para um período em que a Ceia do Senhor era ainda uma ceia.
    * O batismo em água corrente.
    * Preocupação em distinguir as práticas cristãs dos rituais judaicos (8.1).
    * Ausência de preocupação com um credo universal.
    * Nenhuma referência aos livros do Novo Testamento.
    * Nenhuma referência ao episcopado monárquico.
    * Ênfase aos ofícios carismáticos e itinerantes: apóstolos e profetas.
    * Dupla estrutura de bispos e diáconos (ver Fp 1.1).
    * Outros temas ausentes: virgindade, tendências gnósticas e antignósticas.

8. Composição

C. Richardson entende que o “didaquista” foi mais um compilador do que um autor. Ou seja, ele não escreveu a Didaquê, mas reuniu dois documentos pré-existentes, fazendo algumas adaptações. Ele provavelmente compôs o capítulo final (16).

Os Dois Caminhos (caps. 1-5) representariam uma forma tardia de um catecismo original no qual o didaquista inseriu em bloco alguns ensinos tipicamente cristãos. Tais ensinos revelam um conhecimento de Mateus e Lucas, e também do Pastor de Hermas (1.5 = Man. 2.4-6) e da Epístola de Barnabé (16.2 = Barn. 4.9).

O manual de ordem eclesiástica (caps. 6-15) refletiria o período sub-apostólico nas igrejas rurais da Síria. Evidências: (a) é claramente dependente do evangelho de Mateus, que provavelmente se originou na Síria; (b) as orações eucarísticas refletem uma região em que o trigo é semeado nas colinas (9.4); (c) a seção batismal pressupõe uma região em que existem termas (7.2); (d) os profetas e mestres lembram a situação de Antioquia (Atos 13.1). A imagem que se obtém dessa fonte é de comunidades rurais que recebem periodicamente a visita dos líderes de algum centro cristão.

A Didaquê propriamente dita deve ter sido composta em Alexandria. Evidências: (a) os Dois Caminhos circulavam ali, pois a Epístola de Barnabé e a Ordem Eclesiástica Apostólica procedem daquela localidade; (b) é possível que Clemente de Alexandria conhecesse a Didaquê; (c) o documento revela uma atitude liberal em relação ao cânon do NT, aparentemente incluindo Barnabé e Hermas, o que aponta para Alexandria; (d) até o quarto século a Didaquê era altamente valorizada no Egito, sendo quase considerada canônica, e foi mencionada por Atanásio como adequada para a instrução catequética.

9. Bibliografia

ALTANER, Berthold e STUIBER, Alfred. Patrologia: vida, obras e doutrina dos padres da igreja. São Paulo: Paulinas, 1988.

EUSÉBIO DE CESARÉIA. História eclesiástica. Trad. Wolfgang Fischer. São Paulo: Novo Século, 1999.
FRANGIOTTI, Roque (Ed.). Padres Apostólicos. Trad. Ivo Storniolo e Euclides M. Balancin. Coleção Patrística, Vol. 1. São Paulo: Paulus, 1995.

HITCHCOCK, Roswell e BROWN, Francis (Eds.). Teaching of the Twelve Apostles: recently discovered and published by Philotheos Bryennios, metropolitan of Nicomedia. <place u2:st="on"><state u2:st="on">New York</state></place>: Charles Scribner’s, 1884.

HOLMES, Michael W. (Ed.). The apostolic fathers: Greek texts and English translations. Grand Rapids: Baker, 1999.

LAKE, Kirsopp (Ed.). The apostolic fathers. Vol. I. London: William Heinemann; New York: Macmillan, 1912.

MORESCHINI, Claudio e NORELLI, Enrico. História da literatura cristã antiga grega e latina. Vol. I: De Paulo à era constantiniana. São Paulo: Loyola, 1996.

QUASTEN, Johannes. Patrology. Vol. I: The beginnings of patristic literature. Westminster, Maryland: Christian Classics, 1993.

RICHARDSON, Cyril C. et al. (Eds.). Early Christian fathers. The Library of Christian Classics, Vol. I. Philadelphia: Westminster, 1953.

SCHAFF, Philip e WACE, Henry. Eusebius: church history, life of Constantine the great, and oration in praise of Constantine. Nicene and Post-Nicene Fathers, Second Series, Vol. I. Reprint. Grand Rapids: Eerdmans, 1986 (1890).

________ . St. Athanasius: select works and letters. Nicene and Post-Nicene Fathers, Second Series, Vol. IV. Reprint. T&T Clark: Edinburgh; Grand Rapids: Eerdmans, 1987 (1891).

STANIFORTH, Maxwell (Ed.). Early Christian writings: the apostolic fathers. New York: Barnes & Noble, 1993.

Lí em: Mackenzie
via http://reformandome.blogspot.com.br/2013/07/didaque-instrucao-dos-doze-apostolos.html

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