Um documento cristão importante, intrigante, fascinante e
instrutivo. A Didaquê era altamente valorizada no Egito, tendo um grande valor
histórico para o cristianismo e aprofundou o conhecimento dos primórdios da
Igreja!
Parte I - O Caminho
da Vida e o Caminho da Morte
CAPÍTULO I
1. Existem dois caminhos: o caminho da vida e o caminho da
morte. Há uma grande diferença entre os dois.
2. Este é o caminho da vida: primeiro, ame a Deus que o
criou; segundo, ame a seu próximo como a si mesmo. Não faça ao outro aquilo que
você não quer que façam a você.
3. Este é o ensinamento derivado dessas palavras: bendiga
aqueles que o amaldiçoam, reze por seus inimigos e jejue por aqueles que o
perseguem. Ora, se você ama aqueles que o amam, que graça você merece? Os
pagãos também não fazem o mesmo? Quanto a você, ame aqueles que o odeiam e
assim você não terá nenhum inimigo.
4. Não se deixe levar pelo instinto. Se alguém lhe bofeteia
na face direita, ofereça-lhe também a outra face e assim você será perfeito. Se
alguém o obriga a acompanhá-lo por um quilômetro, acompanhe-o por dois. Se
alguém lhe tira o manto, ofereça-lhe também a túnica. Se alguém toma alguma
coisa que lhe pertence, não a peça de volta porque não é direito.
5. Dê a quem lhe pede e não peças de volta pois o Pai quer
que os seus bens sejam dados a todos. Bem-aventurado aquele que dá conforme o
mandamento pois será considerado inocente. Ai daquele que recebe: se pede por
estar necessitado, será considerado inocente; mas se recebeu sem necessidade,
prestará contas do motivo e da finalidade. Será posto na prisão e será
interrogado sobre o que fez... e daí não sairá até que devolva o último
centavo.
6. Sobre isso também foi dito: que a sua esmola fique suando
nas suas mãos até que você saiba para quem a está dando.
CAPÍTULO II
1. O segundo mandamento da instrução é:
2. Não mate, não cometa adultério, não corrompa os jovens,
não fornique, não roube, não pratique a magia nem a feitiçaria. Não mate a
criança no seio de sua mãe e nem depois que ela tenha nascido.
3. Não cobice os bens alheios, não cometa falso juramento,
nem preste falso testemunho, não seja maldoso, nem vingativo.
4. Não tenha duplo pensamento ou linguajar pois o duplo
sentido é armadilha fatal.
5. A sua palavra não deve ser em vão, mas comprovada na
prática.
6. Não seja avarento, nem ladrão, nem fingido, nem malicioso,
nem soberbo. Não planeje o mal contra o seu próximo.
7. Não odeie a ninguém, mas corrija alguns, reze por outros e
ame ainda aos outros, mais até do que a si mesmo.
CAPÍTULO III
1. Filho, procure evitar tudo aquilo que é mau e tudo que se
parece com o mal.
2. Não seja colérico porque a ira conduz à morte. Não seja
ciumento também, nem briguento ou violento, pois o homicídio nasce de todas
essas coisas.
3. Filho, não cobice as mulheres pois a cobiça leva à
fornicação. Evite falar palavras obscenas e olhar maliciosamente já que os
adultérios surgem dessas coisas.
4. Filho, não se aproxime da adivinhação porque ela leva à
idolatria. Não pratique encantamentos, astrologia ou purificações, nem queira
ver ou ouvir sobre isso, pois disso tudo nasce a idolatria.
5. Filho, não seja mentiroso pois a mentira leva ao roubo.
Não persiga o dinheiro nem cobice a fama porque os roubos nascem dessas coisas.
6. Filho, não fale demais pois falar muito leva à blasfêmia.
Não seja insolente, nem tenha mente perversa porque as blasfêmias nascem dessas
coisas.
7. Seja manso pois os mansos herdarão a terra.
8. Seja paciente, misericordioso, sem maldade, tranquilo e
bondoso. Respeite sempre as palavras que você escutou.
9. Não louve a si mesmo, nem se entrege à insolência. Não se
junte com os poderosos, mas aproxima dos justos e pobres.
10. Aceite tudo o que acontece contigo como coisa boa e saiba
que nada acontece sem a permissão de Deus.
CAPÍTULO IV
1. Filho, lembre-se dia e noite daquele que prega a Palavra
de Deus para você. Honre-o como se fosse o próprio Senhor, pois Ele está
presente onde a soberania do Senhor é anunciada.
2. Procure estar todos os dias na companhia dos fiéis para
encontrar forças em suas palavras.
3. Não provoque divisão. Ao contrário, reconcilia aqueles que
brigam entre si. Julgue de forma justa e corrija as culpas sem distinguir as
pessoas.
4. Não hesite sobre o que vai acontecer.
5. Não te pareças com aqueles que dão a mão quando precisam e
a retiram quando devem dar.
6. Se o trabalho de suas mãos te rendem algo, as ofereça como
reparação pelos seus pecados.
7. Não hesite em dar, nem dê reclamando porque, na verdade,
você sabe quem realmente pagou sua recompensa.
8. Não rejeite o necessitado. Compartilhe tudo com seu irmão
e não diga que as coisas são apenas suas. Se vocês estão unidos nas coisas
imortais, tanto mais estarão nas coisas perecíveis.
9. Não se descuide de seu filho ou filha. Muito pelo
contrário, desde a infância instrua-os a temer a Deus.
10. Não dê ordens com rudeza ao seu escravo ou escrava pois
eles também esperam no mesmo Deus que você; assim, não perderão o temor de
Deus, que está acima de todos. Certamente Ele não virá chamar a pessoa pela
aparência, mas somente aqueles que foram preparados pelo Espírito.
11. Quanto a vocês, escravos, obedeçam aos seus senhores, com
todo o respeito e reverência, como à própria imagem de Deus.
12. Deteste toda a hipocrisia e tudo aquilo que não agrada o
Senhor.
13. Não viole os mandamentos do Senhor. Guarde tudo aquilo
que você recebeu: não acrescente ou retire nada.
14. Confesse seus pecados na reunião dos fiéis e não comece a
orar estando com má consciência. Este é o caminho da vida.
CAPÍTULO V
1. Este é o caminho da morte: primeiro, é mau e cheio de
maldições - homicídios, adultérios, paixões, fornicações, roubos, idolatria,
magias, feitiçarias, rapinas, falsos testemunhos, hipocrisias, coração com duplo
sentido, fraudes, orgulho, maldades, arrogância, avareza, palavras obscenas,
ciúmes, insolência, altivez, ostentação e falta de temor de Deus.
2. Nesse caminho trilham os perseguidores dos justos, os
inimigos da verdade, os amantes da mentira, os ignorantes da justiça, os que
não desejam o bem nem o justo julgamento, os que não praticam o bem mas o mal.
A calma e a paciência estão longe deles. Estes amam as coisas vãs, são ávidos
por recompensas, não se compadecem com os pobres, não se importam com os perseguidos,
não reconhecem o Criador. São também assassinos de crianças, corruptores da
imagem de Deus, desprezam os necessitados, oprimem os aflitos, defendem os
ricos, julgam injustamente os pobres e, finalmente, são pecadores consumados.
Filho, afaste-se disso tudo.
CAPÍTULO VI
1. Fique atento para que ninguém o afaste do caminho da
instrução, pois quem faz isso ensina coisas que não pertencem a Deus.
2. Você será perfeito se conseguir carregar todo o jugo do
Senhor. Se isso não for possível, faça o que puder.
3. A respeito da comida, observe o que puder. Não coma nada
do que é sacrificado aos ídolos pois esse culto é destinado a deuses mortos.
Parte II - A
Celebração Litúrgica
CAPÍTULO VII
1. Quanto ao batismo, faça assim: depois de ditas todas essas
coisas, batize em água corrente, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
2. Se você não tiver água corrente, batize em outra água. Se
não puder batizar com água fria, faça com água quente.
3. Na falta de uma ou outra, derrame água três vezes sobre a cabeça,
em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
4. Antes de batizar, tanto aquele que batiza como o
batizando, bem como aqueles que puderem, devem observar o jejum. Você deve
ordenar ao batizando um jejum de um ou dois dias.
CAPÍTULO VIII
1. Os seus jejuns não devem coincidir com os dos hipócritas.
Eles jejuam no segundo e no quinto dia da semana. Porém, você deve jejuar no
quarto dia e no dia da preparação.
2. Não reze como os hipócritas, mas como o Senhor ordenou em
seu Evangelho. Reze assim: "Pai nosso que estás no céu, santificado seja o
teu nome, venha o teu Reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no
céu; o pão-nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai nossa dívida, assim como
também perdoamos os nossos devedores e não nos deixes cair em tentação, mas
livrai-nos do mal porque teu é o poder e a glória para sempre".
3. Rezem assim três vezes ao dia.
CAPÍTULO IX
1. Celebre a Eucaristia assim:
2. Diga primeiro sobre o cálice: "Nós te agradecemos,
Pai nosso, por causa da santa vinha do teu servo Davi, que nos revelaste
através do teu servo Jesus. A ti, glória para sempre".
3. Depois diga sobre o pão partido: "Nós te agradecemos,
Pai nosso, por causa da vida e do conhecimento que nos revelaste através do teu
servo Jesus. A ti, glória para sempre.
4. Da mesma forma como este pão partido havia sido semeado
sobre as colinas e depois foi recolhido para se tornar um, assim também seja
reunida a tua Igreja desde os confins da terra no teu Reino, porque teu é o
poder e a glória, por Jesus Cristo, para sempre".
5. Que ninguém coma nem beba da Eucaristia sem antes ter sido
batizado em nome do Senhor pois sobre isso o Senhor disse: "Não dêem as
coisas santas aos cães".
CAPÍTULO X
1. Após ser saciado, agradeça assim:
2. "Nós te agradecemos, Pai santo, por teu santo nome
que fizeste habitar em nossos corações e pelo conhecimento, pela fé e
imortalidade que nos revelaste através do teu servo Jesus. A ti, glória para
sempre.
3. Tu, Senhor onipotente, criaste todas as coisas por causa
do teu nome e deste aos homens o prazer do alimento e da bebida, para que te
agradeçam. A nós, porém, deste uma comida e uma bebida espirituais e uma vida
eterna através do teu servo.
4. Antes de tudo, te agradecemos porque és poderoso. A ti,
glória para sempre.
5. Lembra-te, Senhor, da tua Igrreja, livrando-a de todo o
mal e aperfeiçoando-a no teu amor. Reúne dos quatro ventos esta Igreja
santificada para o teu Reino que lhe preparaste, porque teu é o poder e a
glória para sempre.
6. Que a tua graça venha e este mundo passe. Hosana ao Deus
de Davi. Venha quem é fiel, converta-se quem é infiel. Maranata. Amém."
7. Deixe os profetas agradecerem à vontade.
Parte III - A Vida
em Comunidade
CAPÍTULO XI
1. Se vier alguém até você e ensinar tudo o que foi dito
anteriormente, deve ser acolhido.
2. Mas se aquele que ensina é perverso e ensinar outra
doutrina para te destruir, não lhe dê atenção. No entanto, se ele ensina para
estabelecer a justiça e conhecimento do Senhor, você deve acolhê-lo como se
fosse o Senhor.
3. Já quanto aos apóstolos e profetas, faça conforme o
princípio do Evangelho.
4. Todo apóstolo que vem até você deve ser recebido como o
próprio Senhor.
5. Ele não deve ficar mais que um dia ou, se necessário, mais
outro. Se ficar três dias é um falso profeta.
6. Ao partir, o apóstolo não deve levar nada a não ser o pão
necessário para chegar ao lugar onde deve parar. Se pedir dinheiro é um falso
profeta.
7. Não ponha à prova nem julgue um profeta que fala tudo sob
inspiração, pois todo pecado será perdoado, mas esse não será perdoado.
8. Nem todo aquele que fala inspirado é profeta, a não ser
que viva como o Senhor. É desse modo que você reconhece o falso e o verdadeiro
profeta.
9. Todo profeta que, sob inspiração, manda preparar a mesa
não deve comer dela. Caso contrário, é um falso profeta.
10. Todo profeta que ensina a verdade mas não pratica o que
ensina é um falso profeta.
11. Todo profeta comprovado e verdadeiro, que age pelo
mistério terreno da Igreja, mas que não ensina a fazer como ele faz não deverá
ser julgado por você; ele será julgado por Deus. Assim fizeram também os
antigos profetas.
12. Se alguém disser sob inspiração: "Dê-me
dinheiro" ou qualquer outra coisa, não o escutem. Porém, se ele pedir para
dar a outros necessitados, então ninguém o julgue.
CAPÍTULO XII
1. Acolha toda aquele que vier em nome do Senhor. Depois,
examine para conhecê-lo, pois você tem discernimento para distinguir a esquerda
da direita.
2. Se o hóspede estiver de passagem, dê-lhe ajuda no que
puder. Entretanto, ele não deve permanecer com você mais que dois ou três dias,
se necessário.
3. Se quiser se estabelecer e tiver uma profissão, então que
trabalhe para se sustentar.
4. Porém, se ele não tiver profissão, proceda de acordo com a
prudência, para que um cristão não viva ociosamente em seu meio.
5. Se ele não aceitar isso, trata-se de um comerciante de
Cristo. Tenha cuidado com essa gente!
CAPÍTULO XIII
1. Todo verdadeiro profeta que queira estabelecer-se em seu
meio é digno do alimento.
2. Assim também o verdadeiro mestre é digno do seu alimento,
como qualquer operário.
3. Assim, tome os primeiros frutos de todos os produtos da
vinha e da eira, dos bois e das ovelhas, e os dê aos profetas, pois são eles os
seus sumos-sacerdotes.
4. Porém, se você não tiver profetas, dê aos pobres.
5. Se você fizer pão, tome os primeiros e os dê conforme o
preceito.
6. Da mesma maneira, ao abrir um recipiente de vinho ou óleo,
tome a primeira parte e a dê aos profetas.
7. Tome uma parte de seu dinheiro, da sua roupa e de todas as
suas posses, conforme lhe parecer oportuno, e os dê de acordo com o preceito.
CAPÍTULO XIV
1. Reúna-se no dia do Senhor para partir o pão e agradecer
após ter confessado seus pecados, para que o sacrifício seja puro.
2. Aquele que está brigado com seu companheiro não pode
juntar-se antes de se reconciliar, para que o sacrifício oferecido não seja
profanado.
3. Esse é o sacrifício do qual o Senhor disse: "Em todo
lugar e em todo tempo, seja oferecido um sacrifício puro porque sou um grande
rei - diz o Senhor - e o meu nome é admirável entre as nações".
CAPÍTULO XV
1. Escolha bispos e diáconos dignos do Senhor. Eles devem ser
homens mansos, desprendidos do dinheiro, verazes e provados pois também exercem
para vocês o ministério dos profetas e dos mestres.
2. Não os despreze porque eles têm a mesma dignidade que os
profetas e os mestres.
3. Corrija uns aos outros, não com ódio, mas com paz, como
você tem no Evangelho. E ninguém fale com uma pessoa que tenha ofendido o
próximo; que essa pessoa não escute uma só palavra sua até que tenha se arrependido.
4. Faça suas orações, esmolas e ações da forma que você tem
no Evangelho de nosso Senhor.
Parte IV - O Fim dos
Tempos
CAPÍTULO XVI
1. Vigie sobre a vida uns dos outros. Não deixe que sua
lâmpada se apague, nem afrouxe o cinto dos rins. Fique preparado porque você
não sabe a que horas nosso Senhor chegará.
2. Reúna-se com frequência para que, juntos, procurem o que
convém a vocês; porque de nada lhe servirá todo o tempo que viveu a fé se no
último instante não estiver perfeito.
3. De fato, nos últimos dias se multiplicarão os falsos
profetas e os corruptores, as ovelhas se transformarão em lobos e o amor se
converterá em ódio.
4. Aumentando a injustiça, os homens se odiarão, se
perseguirão e se trairão mutuamente. Então o sedutor do mundo aparecerá, como
se fosse o Filho de Deus, e fará sinais e prodígios. A terra será entregue em
suas mãos e cometerá crimes como jamais foram cometidos desde o começo do
mundo.
5. Então toda criatura humana passará pela prova de fogo e
muitos, escandalizados, perecerão. No entanto, aqueles que permanecerem firmes
na fé serão salvos por aquele que os outros amaldiçoam.
6. Então aparecerão os sinais da verdade: primeiro, o sinal
da abertura no céu; depois, o sinal do toque da trombeta; e, em terceiro, a
ressurreição dos mortos.
7. Sim, a ressurreição, mas não de todos, conforme foi dito:
"O Senhor virá e todos os santos estarão com ele".
8. Então o mundo assistirá o Senhor chegando sobre as nuvens
do céu.
Lí em:
e-cristianismo
Sobre A DIDAQUÊ, por
Alderi Souza de Matos
1. Título
Completo: Didaché tou Kuríou dià ton dódeka apostólon tois
éthnesin = “Ensino (instrução, doutrina) do Senhor aos gentios através dos doze
apóstolos”
Abreviado: “O ensino dos (doze) apóstolos” ou “A didaquê”
2. Importância:
“Um dos documentos mais fascinantes e ao mesmo tempo mais
intrigantes a emergirem da igreja primitiva” (M. W. Holmes).
“Nenhum documento da igreja antiga tem se revelado tão
desconcertante para os estudiosos como esse folheto aparentemente inocente” ...
“A criança mimada da crítica” (C. C. Richardson).
“É a única evidência contemporânea direta que temos sobre as
condições da vida da Igreja no período obscuro entre o Novo Testamento e a
organização mais plenamente desenvolvida do 2º século” (M. Staniforth).
“O documento mais importante do período sub-apostólico e a
mais antiga fonte de lei eclesiástica que possuímos... Enriqueceu e aprofundou
de modo extraordinário o nosso conhecimento dos primórdios da Igreja” (J.
Quasten).
3. Descoberta do
manuscrito:
O título do documento era conhecido através de referências em
vários escritores antigos.
Em 1873, Filoteos Bryennios, o metropolita grego de
Nicomédia, encontrou na biblioteca do mosteiro do Santo Sepulcro (biblioteca do
patriarca grego de Jerusalém), em Constantinopla (Istambul), um rolo de
manuscritos em grego, datado de 1056, copiado por um escriba chamado Leo.
Tratava-se de 120 folhas de pergaminho contendo a Sinopse de
Crisóstomo dos Livros do AT e do NT, a Epístola de Barnabé, as duas epístolas
de Clemente, a Didaquê, a Epístola de Maria de Cassobelae a Inácio e a versão
longa das cartas de Inácio (12 cartas).
Em 1883, dez anos após a descoberta, Bryennios publicou a
Didaquê pela primeira vez, em Constantinopla. Em 1887, o manuscrito (Cod. 54 ou
Codex Ierosolymitanus) foi levado para a biblioteca patriarcal de Jerusalém,
onde se encontra até hoje.
Existem outras versões antigas da Didaquê: copta, etíope,
georgiana e latina.
4. Testemunhos antigos:
As muitas menções de trechos da Didaquê em escritos da igreja
antiga atestam a sua importância. Ela deve ter gozado de ampla circulação por
algum tempo, sendo aceita pelo menos por uma parte da igreja como um livro
digno de ser lido no culto divino. Clemente de Alexandria a cita uma vez como
Escritura (graphé). (Strom. I, 20, 100)
Vários autores acharam necessário destacar que a Didaquê não
possuía caráter canônico. Eusébio de Cesaréia refere-se a ela como um dos
livros apócrifos ou espúrios (Hist. Ecles., III, 25, 4). Atanásio faz o mesmo,
mas declara que ela ainda era usada na instrução catequética (Ep. Fest. 39).
O autor da Didascália (início do terceiro século) conhecia
toda a Didaquê. Esta serve de base para o 7º livro das Constituições Apostólicas
(Síria, quarto século). Os Dois Caminhos (caps. 1-6) são muito semelhantes aos
capítulos 18-20 da Epístola de Barnabé (100-130 AD). É possível que ambos os
documentos tenham se baseado em uma fonte comum. Grande parte desse material
também aparece na Ordem Eclesiástica Apostólica (quarto século) e na Vida de
Schnudi (quinto século).
5. Partes
constitutivas:
O documento tem duas partes distintas:
(a) Os Dois Caminhos (1-6): código de moralidade cristã,
apresentando as diferentes virtudes e vícios que constituem, respectivamente, o
Caminho da Vida e o Caminho da Morte. Essa seção é uma adaptação de um tratado
moral autônomo, provavelmente de origem judaica, que era conhecido e usado em
Alexandria. No início do segundo século, esse texto judaico teria sido inserido
em um primitivo manual eclesiástico – a Didaquê, recebendo importantes
acréscimos cristãos.
(b) Manual eclesiástico (7-16): compêndio de regras que tratam de diversos aspectos da vida da igreja, tais como: batismo, jejum, eucaristia, missionários itinerantes, ministros locais, etc. São esses antigos regulamentos que conferem à Didaquê um interesse e importância singulares, pois refletem a vida de uma primitiva comunidade cristã na Síria (ou no Egito) no final do 1º século. (M. Staniforth)
Johannes Quasten faz uma divisão diferente: (a) instruções
litúrgicas: caps. 1-10; (b) regulamentos disciplinares: caps. 11-15; (c)
conclusão: a parousia do Senhor e deveres dela decorrentes: cap. 16. A primeira
seção é composta de duas partes: regras de moralidade (1-6) e instruções
litúrgicas (7-10).
Segundo o mesmo autor, alguns temas importantes do documento
são: oração e liturgia, confissão, hierarquia, beneficência, eclesiologia e
escatologia. Contém as mais antigas orações eucarísticas conhecidas e a única
referência ao batismo por efusão nos dois primeiros séculos. Não faz nenhuma
referência ao episcopado monárquico e aos presbíteros.
Roque Frangiotti divide o texto em quatro partes: (a) seção
doutrinal ou catequética: caps. 1-6; (b) instruções litúrgicas: caps. 7-10; (c)
instruções disciplinares: caps. 11-15; (d) epílogo sobre a segunda vinda de
Cristo: cap. 16.
Uma versão latina, intitulada “Doctrina apostolorum” e
correspondente à Didaquê 1-6 (sem 1.3b-2.1), apóia-se no texto grego de uma
doutrina judaica tardia dos dois caminhos. Essa doutrina destinava-se à
instrução moral de gentios desejosos de aderir à sinagoga como “tementes a
Deus”. O escrito era intitulado “Didaché Kuríou tois éthnesin”. Pela inserção
das palavras “diá ton dódeka apostólon” no título e pela interpolação de
1.3b-2.1, a doutrina recebeu um caráter cristão. (Altaner e Stuiber)
6. Autoria e data:
Autor: um ministro sagrado de idade avançada, formado na
escola de Tiago, o Menor, que teria imigrado para a Síria por ocasião da guerra
civil (R. Frangiotti). O documento teria sido colocado na forma presente no
máximo até 150, embora pareça provável uma data mais próxima do final do
primeiro século.
7. Evidências de
antiguidade
* O título “servo de Deus” aplicado a
Jesus.
* A simplicidade litúrgica e das orações.
* As orações eucarísticas apontam para um
período em que a Ceia do Senhor era ainda uma ceia.
* O batismo em água corrente.
* Preocupação em distinguir as práticas
cristãs dos rituais judaicos (8.1).
* Ausência de preocupação com um credo
universal.
* Nenhuma referência aos livros do Novo
Testamento.
* Nenhuma referência ao episcopado
monárquico.
* Ênfase aos ofícios carismáticos e
itinerantes: apóstolos e profetas.
* Dupla estrutura de bispos e diáconos
(ver Fp 1.1).
* Outros temas ausentes: virgindade,
tendências gnósticas e antignósticas.
8. Composição
C. Richardson entende que o “didaquista” foi mais um
compilador do que um autor. Ou seja, ele não escreveu a Didaquê, mas reuniu
dois documentos pré-existentes, fazendo algumas adaptações. Ele provavelmente
compôs o capítulo final (16).
Os Dois Caminhos (caps. 1-5) representariam uma forma tardia
de um catecismo original no qual o didaquista inseriu em bloco alguns ensinos
tipicamente cristãos. Tais ensinos revelam um conhecimento de Mateus e Lucas, e
também do Pastor de Hermas (1.5 = Man. 2.4-6) e da Epístola de Barnabé (16.2 =
Barn. 4.9).
O manual de ordem eclesiástica (caps. 6-15) refletiria o
período sub-apostólico nas igrejas rurais da Síria. Evidências: (a) é
claramente dependente do evangelho de Mateus, que provavelmente se originou na
Síria; (b) as orações eucarísticas refletem uma região em que o trigo é semeado
nas colinas (9.4); (c) a seção batismal pressupõe uma região em que existem
termas (7.2); (d) os profetas e mestres lembram a situação de Antioquia (Atos
13.1). A imagem que se obtém dessa fonte é de comunidades rurais que recebem
periodicamente a visita dos líderes de algum centro cristão.
A Didaquê propriamente dita deve ter sido composta em
Alexandria. Evidências: (a) os Dois Caminhos circulavam ali, pois a Epístola de
Barnabé e a Ordem Eclesiástica Apostólica procedem daquela localidade; (b) é
possível que Clemente de Alexandria conhecesse a Didaquê; (c) o documento
revela uma atitude liberal em relação ao cânon do NT, aparentemente incluindo
Barnabé e Hermas, o que aponta para Alexandria; (d) até o quarto século a
Didaquê era altamente valorizada no Egito, sendo quase considerada canônica, e
foi mencionada por Atanásio como adequada para a instrução catequética.
9. Bibliografia
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via http://reformandome.blogspot.com.br/2013/07/didaque-instrucao-dos-doze-apostolos.html
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