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Cultura
A
única maneira de respeitar o diferente é respeitando sua humanidade,
respeitando-o como ser humano. Quando nos damos conta de que cada pessoa
é exatamente tão humana quanto nós, impõe-se um respeito que, de outra
forma, poderia facilmente desaparecer por qualquer tipo de falsa razão.
O
nazismo, para conseguir apoio da população para seus objetivos
genocidas, começou negando a humanidade dos judeus; os jornais nazistas
retratavam judeus caricatos, com enormes narizes e tranças, roubando o
dinheiro do povo alemão. Aos poucos, essa desumanização chegou ao ponto
em que o amigo ou colega de trabalho judeu – que era conhecido e
certamente não correspondia àquela horrenda caricatura, que só existia
nas mentes deformadas dos nazistas – passava, ele também, a ter a sua
humanidade negada. Não são poucas as histórias de judeus atacados em
praça pública e espezinhados, ainda antes do início do genocídio
organizado, pelos vizinhos e conhecidos. Com o sucesso do processo de
desumanização, eles deixavam de ser o amigo ou vizinho e se tornavam um
ser subumano, um inimigo impessoal contra o qual todo ataque seria
justo. Antes do genocídio vieram as pequenas humilhações.
E
a história destes primeiros sucessos na desumanização do próximo vem
agora se repetindo. Há alguns meses, rapazes da antiga TFP foram
atacados na rua por militantes gayzistas em Curitiba. Há poucos dias, o
mesmo ocorreu com o deputado Feliciano, publicamente humilhado e
constrangido em um avião de carreira quando uma dupla de passageiros
postou-se ao seu lado, rebolando e berrando no corredor do avião. Um
deles, até a intervenção de outro passageiro, chegou ao ponto de
passar-lhe repetidamente a mão nas orelhas e cabelo.
Mais
uma vez, não interessa se concordamos ou não com o deputado; o que é
preciso evitar a todo custo é a desumanização do adversário político ou
de quem pensa diferente. Não há nenhuma diferença essencial entre a
boçalidade que nega a humanidade do homossexual e a boçalidade que nega a
humanidade do deputado. Quando alguém se sente autorizado a gritar,
xingar ou esfregar as mãos na cabeça do próximo, mostra já ter perdido
completamente o respeito que é devido a todo ser humano.
E
se, em vez de em um avião lotado, Feliciano houvesse sido encontrado
por seus atacantes em uma rua deserta, sem ter quem o acudisse? E se
eles já tivessem perdido ainda mais a inibição, depois de beber umas e
outras? Em vez de um mero desrespeito, poderíamos ter tido uma tragédia.
A diferença, repito, é de grau, não de essência.
Publicado no jornal Gazeta do Povo.
Carlos Ramalhete é professor.
via midia sem mascara
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