Autor Pedro Albuquerque
Churchill uma vez celebremente declarou que “a democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as outras formas que foram experimentadas de tempos em tempos”. É interessante notar que Churchill foi sábio ao excluir formas de governo ainda não experimentadas de sua afirmação. De fato, se comparada aos regimes políticos que durante a história se ofereceram como alternativas aos regimes democráticos, como a monarquia absolutista, a teocracia, o fascismo e o comunismo (entre outras formas de oligarquias) e a eventual anarquia revolucionária, não creio que existam dúvidas entre pessoas politicamente sensatas de que a democracia tenha sido a forma de governo que mais contribuiu para o avanço da humanidade.
Para evitar, porém, que caiamos na armadilha do fetichismo democrático, aqui definido como a crença ingênua de que o “governo do povo, pelo povo e para o povo” (de acordo com Lincoln) seria condição suficiente para que uma nação encontre seu nirvana político, é necessário fazer duas observações a respeito da declaração de Churchill. Primeiro, que quando ele usou o termo “democracia” ele se referiu evidentemente às formas de governo mistas encontradas nas sociedades abertas ocidentais, que jamais representaram democracias puras. Segundo, que a frase mostra que Churchill acreditava que tal “democracia” é um sistema imperfeito de governo, que pode ser aperfeiçoado, como provado pelas inúmeras causas e reformas políticas, nem sempre liberais ou democráticas, diga-se de passagem, que patrocinou como estadista.
Outra crença ingênua do fetichismo democrático é a de que a cura para os problemas das democracias reais passa por torná-las ainda mais democráticas. É perfeitamente possível, porém, que o excesso de democracia seja o verdadeiro problema. É bem sabido, por exemplo, que o poder democrático deve ser moderado por uma constituição (regras formais) e por regras informais que estão acima da vontade da maioria. Por exemplo, numa democracia pura uma maioria formada por pessoas de olhos escuros pode decidir plebiscitariamente pelo extermínio da minoria de olhos claros. Ainda que absurda, a decisão seria democrática e legítima, pois representaria a vontade da maioria expressa pela via do voto. É para evitar tais absurdos e limitar os poderes democráticos que servem os regimes constitucionais e as regras informais de interação social.
Os limites aos poderes democráticos não estão restritos, porém, à existência de regras universais. É fundamental reconhecer o papel alternativo ou complementar na democracia de um dos principais pilares das sociedades abertas: a meritocracia. Regimes meritocráticos alocam poder decisório de acordo com o mérito, definido como o grau de capacitação no exercício de funções socioeconômicas. A aquisição de competência via educação e treino e sua certificação é um típico arranjo meritocrático, onde a capacidade de decidir é reconhecida publicamente via titulação. Infelizmente, a meritocracia tem sido frequentemente esquecida, pouco compreendida, e até mesmo difamada no debate político contemporâneo.
A meritocracia está presente em diversos aspectos de sistemas políticos e econômicos tidos como bem sucedidos. O mercado livre, por exemplo, é uma das mais importantes instituições meritocráticas descentralizadas existentes, um fato ignorado até mesmo por economistas. Nele, aqueles que ofertam bens ou serviços obtém uma contrapartida à sua cessão equivalente ao valor determinado pelo mercado, e aqueles que os demandam os adquirem desde que dispostos a arcar com a necessária contrapartida. O arranjo é meritocrático, pois o poder decisório decorre da capacidade econômica de quem oferta e de quem demanda.
Na segunda parte deste artigo, explicarei como a meritocracia oferece uma alternativa à alocação via mercados livres nos casos onde estes inexistam ou não sejam considerados aceitáveis como regra de alocação. Falarei também sobre o estado da meritocracia nas sociedades abertas, e sobre a importância da meritocracia para países nos quais ela permanece pouco desenvolvida.
Fonte: http://ordemlivre.org/posts/em-defesa-da-meritocracia-parte-1--4
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