A
Folha de S.Paulo publica nesta terça um texto cujo título é “Em nome de
Jah”. Como se vê, à diferença do que se entende lendo o Manual de
Redação, não há nas quatro palavras acima informação objetiva nenhuma. A
rigor, a expressão deveria trazer um ponto de exclamação, já que fica
ali num misto de exortação e expressão interjetiva. “Jah”, vocês devem
saber, é o nome do, como direi?, “deus” da “religião” rastafári.
Parece-me que não é um título nem isento, nem crítico nem apartidário
(considerando, claro, os partidos na espécie, que não são os políticos).
O texto
trata de um assunto sobre o qual já escrevi aqui: a condenação à prisão
de Geraldo Antônio Batista, o “Geraldinho Rastafari”, ou “Ras
Geraldinho”, que se quer líder da Igreja da Maconha. O meu post está aqui.
Muito bem.
Leia-se a íntegra do texto da Folha, de André Monteiro e Emília
Sant’Anna, que circulou, tudo indica, só na capital de São Paulo. Uma
tia minha, que mora em Americana, não viu “Em nome de Jah” na edição
local. Acho que ficaram faltando algumas informações básicas (em
vermelho). E me disponho a preencher as lacunas.
*
A primeira igreja rastafári do Brasil está vazia. Seu fundador, Ras Geraldinho –designação religiosa de Geraldo Antonio Baptista, 53,–deve passar os próximos 14 anos preso por tráfico de drogas. A sentença é resultado dos 37 pés de maconha –que o líder rastafári diz plantar para uso religioso– encontrados pela Guarda Municipal de Americana em agosto de 2012 na sede da igreja, numa chácara da cidade a 127 km de SP. Namorada de Ras Geraldinho, Marlene Martim, 50, diz estar perplexa com a decisão tomada pela Justiça neste mês. “A pena é maior do que para muitos assassinatos, estupros, sequestros”, afirma. Os guardas chegaram ao templo após deter dois jovens com maconha e vasos para o plantio da cânabis. Segundo o processo, eles indicaram a chácara como origem da droga. Marlene nega. “Eles vieram aqui, contaram sobre a viagem que um deles fez, ficaram um tempo e foram embora.”
A primeira igreja rastafári do Brasil está vazia. Seu fundador, Ras Geraldinho –designação religiosa de Geraldo Antonio Baptista, 53,–deve passar os próximos 14 anos preso por tráfico de drogas. A sentença é resultado dos 37 pés de maconha –que o líder rastafári diz plantar para uso religioso– encontrados pela Guarda Municipal de Americana em agosto de 2012 na sede da igreja, numa chácara da cidade a 127 km de SP. Namorada de Ras Geraldinho, Marlene Martim, 50, diz estar perplexa com a decisão tomada pela Justiça neste mês. “A pena é maior do que para muitos assassinatos, estupros, sequestros”, afirma. Os guardas chegaram ao templo após deter dois jovens com maconha e vasos para o plantio da cânabis. Segundo o processo, eles indicaram a chácara como origem da droga. Marlene nega. “Eles vieram aqui, contaram sobre a viagem que um deles fez, ficaram um tempo e foram embora.”
Para Mauro
Chaiben, um dos advogados de Ras Geraldinho, a condenação do líder
rastafári vai contra as liberdades de consciência e religiosa,
garantidas na Constituição. “Tráfico pressupõe lucro, dinheiro, presença
de armas, balanças de precisão, mas nada disso foi apresentado”, diz. A
invasão à chácara no ano passado foi a terceira desde 2010. “Eles não
tinham mandado, como em todas as outras vezes, e o Geraldo abriu a
porta”, diz Samir Gabriel Martim, 25, enteado do líder religioso.
Na
sentença, o juiz Eugênio Augusto Clementi Júnior também determina a
perda do imóvel, que deve ser transferido à União. “Sabíamos que o Ras
seria condenado, pois os moradores de Americana conhecem a atuação
rigorosa do juiz. Porém não tínhamos noção de que ele seria tão cruel”,
diz Marlene. “Houve preconceito, intolerância religiosa e um
conservadorismo que não enxergou os ventos que sopram no mundo na
questão da descriminalização da cânabis.” O advogado cita trechos da
sentença em que o juiz afirma que “se ele [Ras Geraldinho] quisesse
seguir a religião deveria ir morar na Jamaica”.
Para
Daniela Skromov, coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos da
Defensoria Pública de São Paulo, a decisão “vai na contramão de toda a
discussão mais contemporânea sobre o assunto.” Segundo ela, os 14 anos a
que Ras Geraldinho foi condenado excedem o normal. “Nunca vi uma pena
dessa para tráfico. Muitas vezes, o cultivo é uma opção da pessoa para
não aderir ao tráfico”, diz. Não é o que pensa o jurista Ives Gandra
Martins. Para ele, a alegação que a maconha seria usada em rituais da
igreja não pode ser considerada. “Quando se fala de liberdade religiosa,
se fala em religiões clássicas, em que existem critérios e valores a
serem adotados”, afirma.
ATIVISMO
Com fala pausada, Ras Geraldinho é capaz
de passar horas falando das propriedades medicinais da maconha e do
rastafarianismo –religião que nasceu na Jamaica no início do século 20 e
que usa a palavra Jah em referência a Deus. Em entrevista à Folha, em
2011, pouco após a segunda invasão de sua igreja, ele afirmava que
seguiria na luta pelo uso religioso da maconha. Marlene diz o mesmo. “O
juiz quis dar um recado para o ativismo canábico com essa condenação
estapafúrdia e acabou nos unindo. Vamos até as últimas instâncias, com
mais e mais soldados’.”
Voltei
Vamos lá. No pé deste texto, vocês encontram um link para a íntegra da sentença do juiz Eugênio Augusto Clementi Júnior, a quem parabenizo mais uma vez. Noto, antes que preencha as tais lacunas, que o doutor advogado do sedizente líder religioso resolveu ampliar, por conta própria, a Lei 11.343. Eu o desafio a demonstrar onde está escrito que o tráfico só se caracteriza quando há “lucro, dinheiro, presença de armas, balanças de precisão”. Isso é pura invenção, matéria do direito criativo.
Vamos lá. No pé deste texto, vocês encontram um link para a íntegra da sentença do juiz Eugênio Augusto Clementi Júnior, a quem parabenizo mais uma vez. Noto, antes que preencha as tais lacunas, que o doutor advogado do sedizente líder religioso resolveu ampliar, por conta própria, a Lei 11.343. Eu o desafio a demonstrar onde está escrito que o tráfico só se caracteriza quando há “lucro, dinheiro, presença de armas, balanças de precisão”. Isso é pura invenção, matéria do direito criativo.
O tal
Geraldinho foi condenado com base nos Incisos II e III do Parágrafo 1º
do Artigo 33 da Lei 11.343 (Lei Antidrogas). A reportagem prefere não
contar aos leitores o que está escrito lá. Reproduzo em azul. Há mais
depois.
Art. 33. Importar, exportar, remeter,
preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer,
ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever,
ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar:
Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
II – semeia, cultiva ou faz a colheita,
sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar,
de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de
drogas;
III – utiliza local ou bem de qualquer
natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou
vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.
Geraldinho também incorreu no Artigo 35 (também em azul):
Art. 35. Associarem-se duas ou mais
pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos
crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.
Não bastasse, teve a pena gravada por incorrer no Inciso VI do Artigo 40:
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
VI – sua prática envolver ou visar a
atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo,
diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação.
Absurdo!
Sim, Geraldinho tinha plena consciência de
que estava oferecendo uma droga proibida a menores de idade. Leiam este
trecho de um diálogo, que está nos autos (há uma legenda).
Legenda:
G:. Geraldo
V:. Rapaz de blusa vermelha
B:.Não identificado
A: Adolescente de boné azul
O diálogo
V:.Ó isso daqui.
G:. Se esse negócio se der certo eu falo…
Porque isso dá cadeia, o cara entrar ver nós fazendo isso aqui “tamo”
“fudido” “véio”.
V:. Ô loco?
G:.Ô processamento! ô loco, falo pro cês tem que meter cadeado.
V:.Vai lá meter cadeado:
B:.Deixa que eu vou lá.
A:.É “memo”?
V:.No que é bom.
A:.Porra mesmo, é bom?
G:.Isso aqui pega todo mundo como coisa
pra quadrilha e ainda respondendo porque esse cara tem 16 anos, você vai
lá pra FEBEM aquele lugar que arrebentaram tudo ali.
A:.Como que é?
G:.É.”
Confisco
Quanto ao confisco da terra, a reportagem
se esquece de informar que é uma disposição do Artigo 243 da
Constituição, que reproduzo (em azul).
Art. 243. As glebas de qualquer região do
País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas
serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao
assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e
medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo
de outras sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de
valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de
instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de
viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização,
controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias.
Caminhando para o encerramento
Posso estar enganado, mas acho que, “em
nome da Jah”, há uma espécie de demonização do juiz que decidiu… aplicar
a lei. Ou será que estou enganado? Destaco finalmente este trecho da
reportagem: “Com fala pausada, Ras
Geraldinho é capaz de passar horas falando das propriedades medicinais
da maconha e do rastafarianismo (…_)” Ô, nem me digam!
Ele trata
desse assunto com a mesma desenvoltura com que consegue falar horas
sobre “maconha e religião”. Segundo Geraldinho, a canabis “permeia as
Sagradas Escrituras, tanto no Novo como no Velho Testamento”. Cristo,
segundo ele, era um emérito maconheiro. Mais: “o milagre do vinho é
feito com maconha”. Para esse estudioso da etimologia, “Canaã” quer
dizer “Cidade da Maconha”. Entenderam? Para ele, “Canaã” deriva da
palavra latina “canabis”!!! Ele vai mais adiante: “O pão que Cristo
comia na ceia era pão de maconha”. Ou ainda: “Na Eucaristia desse
batismo (?), é usada a maconha”. É mais assertivo ainda: “Cristo foi
batizado com maconha” — ele admite que “isso choca um pouco as pessoas”.
Mas esse sacerdote não tem medo de ousar: “A maior parte dos milagres
que Cristo fez, ele fez usando a maconha”.
No texto que escrevi sobre este senhor, consta: “Comecem
a contar os minutos. Vamos ver quanto tempo vai demorar até que surja
um movimento em defesa de Geraldinho e da “liberdade de culto” no
Brasil. “ Pois é… Parece que já há uma tentativa.
Plantar e
distribuir maconha a menores em nome da liberdade religiosa? É mesmo? A
reportagem deveria ter lembrado aos leitores o que diz o Inciso VI do
Artigo 5º da Constituição (em azul):
VI – é inviolável a liberdade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e
a suas liturgias;
“Na forma
da lei” quer dizer que ninguém pode desrespeitar o Código Penal em nome
da liberdade religiosa. Se algum maluco quiser sair por aí sacrificando
virgens ao Deus Sol, será enquadrado por homicídio. Se quiser produzir e
distribuir entorpecentes, será enquadrado pela Lei Antidrogas. “Em nome
de Jah”, Geraldinho não pode jogar a lei no lixo.
A íntegra da sentença exemplar do juiz Clementi Júnior está aqui
Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/
jornal folha de são paulo e seu partidarismo a favor das drogas e caos social, veja ainda "O que os defensores da legalização das drogas insistem em não aprender com a política de combate ao tabagismo. E por que não aprendem?: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/o-que-os-defensores-da-legalizacao-das-drogas-insistem-em-nao-aprender-com-a-politica-de-combate-ao-tabagismo-e-por-que-nao-aprendem/
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