“Não é possível discutir racionalmente com alguém que prefere matar-nos a ser convencido pelos nossos argumentos.” (Karl Popper)
Participo hoje do evento Oriente Médio: Crise e Esperança, com os
jornalistas Caio Blinder, Diogo Mainardi, Guga Chacra e Reinaldo
Azevedo. O tema está na ordem do dia, com toda a confusão na Síria e o
agora evidente fracasso da Primavera Árabe, que chegou a encantar muitos
“especialistas”.
A aparente tentativa de se aproximar do Ocidente por parte do
presidente iraniano Rouhani despertou novas esperanças em muitos.
Arrisco dizer que vão se decepcionar novamente. Ignoram a premissa
básica de que muitos na região simplesmente não aceitam a existência de
Israel.
Em “The Oslo Syndrome”, Kenneth Levin apresenta uma tese interessante
de por que tantos judeus se enganam em relação às intenções de seus
inimigos. O fenômeno seria, antes de tudo, psicológico. Vale resumi-lo,
até porque não é do interesse apenas dos judeus, mas de todo o Ocidente.
O autor vai buscar em Anna Freud parte da explicação. Muitas crianças
abusadas adotam um comportamento estranho de culpa, como se algo de
ruim nelas justificasse sua situação. No afã de conquistar de alguma
maneira o amor do parente que a abusa, a criança transfere a
responsabilidade para si própria.
Outra possível explicação diz respeito à ingenuidade das crianças. O
abuso normalmente vem junto com acusações de que tal ato é consequência
de alguma coisa errada que ela fez, e a criança aceita tal fardo pelo
valor de face.
Uma terceira possibilidade seria o narcisismo típico da infância. As
crianças estão inclinadas a se enxergar como o centro do mundo e se
atribuir poderes grandiosos. Isso cria a predisposição para assumirem a
responsabilidade de tudo aquilo que acontece com elas, bom ou ruim.
Tais crianças se deparam com duas escolhas: podem compreender que são
vítimas de forças e circunstâncias fora de seu controle, o que pode
levar a certo desespero; ou podem atribuir os abusos que sofrem a seu
próprio comportamento equivocado, assumir responsabilidade e alimentar
culpa, o que cria a ilusão de controle da situação.
Caberia a própria criança, então, mudar o comportamento, ser
“boazinha”, e por meio dessa reforma ela seria deixada em paz e o abuso
terminaria. A primeira escolha é a mais realista. Mas a segunda oferece
uma quase irresistível alternativa ao desespero do confronto com a
realidade.
Agora podemos compreender melhor a reação de muitos diante dos
inimigos islâmicos. Uma sociedade acuada, difamada, atacada e sob
constante risco de abuso acaba desenvolvendo mecanismos de fuga que
transferem para si própria a culpa do que acontece. Ainda que seja só
pela esperança de, ao agir assim, ser deixada em paz por aqueles que a
querem destruir.
O acordo que Yasser Arafat recusou em Camp David em 2000 deixou clara
essa postura. Israel cedeu em praticamente todas as demandas, inclusive
a de um Estado Palestino com a capital em Jerusalém, o controle do
Monte do Templo, a devolução de aproximadamente 95% da margem ocidental e
toda a Faixa de Gaza, e um pacote de compensação de US$ 30 bilhões para
os refugiados de 1948.
O príncipe saudita Bandar exortou Arafat a aceitar a generosa oferta,
afirmando que rejeitá-la seria um crime. Arafat, entretanto, escolheu o
crime, pois seu terrorismo dependia da manutenção do “bode expiatório”.
A paz simplesmente não era do interesse das lideranças palestinas,
ligadas a grupos radicais.
Mas o desejo de acreditar na postura “moderada” de grupos que ainda
contam com grande contingente de fanáticos religiosos é irresistível
para um povo sitiado. Cada mínimo aceno na direção de uma
contemporização, ainda que seja uma tática dissimulada para ganhar
tempo, é visto como prova de que tudo será diferente e que, agora,
haverá paz. Se ao menos o nosso lado ceder mais um pouco…
Essa reflexão vale para muitos outros casos. Podemos pensar nos
empresários sempre difamados em uma cultura onde o lucro é visto como
fruto da exploração. Cansados de tanta propaganda enganosa e tantos
ataques, muitos resolvem ceder e até elogiar o socialismo. Pensam que
assim serão aliviados.
Ou então em um candidato que, “acusado” de defender a privatização,
vira um outdoor ambulante de marcas estatais. Ou, por fim, em um grande
veículo de imprensa que, insistentemente acusado de “golpista” pelos
verdadeiros golpistas, acaba cedendo e apelando para um revisionismo
histórico para agradar aos inimigos, hoje no poder.
Nada adianta, claro, quando o inimigo só aceita a nossa destruição.
Publicado originalmente no GLOBO
via blog do rodrigo constantino
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