sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Discutir com papagaios acadêmicos

Uma questão que domina os debates brasileiros universitários é o emocionalismo travestido de razão, de autoridade acadêmica, de diplomas ou simplesmente de boquinhas de nojo. Na verdade, quando eu vejo as respostas da turma que protege um ilustre professor de direito do Cesupa, tudo o que vejo é apenas uma papagaiada corporativista, sem qualquer refutação séria aos pontos que já expus exaustivamente aqui neste humilde blog. Ou melhor, parece mais jogo de Remo e Paysandu ou Fla x Flu. Meu amigo, em um bar, no cúmulo da ironia, soltou uma resposta sarcástica: - A maioria desses estudantes de direito mal lê alguma coisa. Eles gostam de Big Brother Brasil, vão à micareta, comentam nos bares as estripulias do Reality Show “A Fazenda” e só estudam pra concurso público. O único horizonte mental deles é a universidade. O que você pode esperar deles, conde? Respondi: -  tem razão!

Eis os novos comentários que ouço sobre o último artigo que escrevi sobre incesto e poligamia, comentários estes publicados em facebook. Uma jovenzinha, por alcunha Priscila, soltou o verbo contra mim. Pelo teor de suas declarações, parece também ser professoras universitária. Vejamos:

O novo post não traz nada que possa ser aproveitado,mesmo por um processo de reciclagem, o mesmo argumento retórico e ultrapassado, discutindo os mesmo pontos, já esclarecidos e que o tal conde recusa a acolhê-los, mesmo quando estão de braços dados com fundamentações e ideais de liberdade !”

Até aqui dona Priscila não disse coisa com coisa. Será um vício retórico tão obsessivo dividir o mundo entre presente e passado? O que é “argumento retórico” e “ultrapassado”? Ultrapassado em que sentido? Por quem? A Priscila deve ser um marco histórico na humanidade, já ela é um parâmetro tão elevado do progresso humano, que tudo que passou antes dela não tem mais validade alguma. E o que significa estar de braços dados com a liberdade? Incesto e poligamia são sinônimos de liberdade também?

“Ainda não consigo entender, como alguém pode ser tão intolerante ao ponto de não permitir-se uma discussão tão saudável , como a que está sendo proposta pelo ProfessorAndré Coelho. Lamentável para o Conde, ótimo para nós, expectadores!”.

Vamos ver se entendi bem. Eu critico as idéias do professor e sou atacado por um bando de papagaios raivosos, pelo único crime de questioná-lo. Esse pessoal tem uma mania histérica de vitimização sistemática. É intocável e hipersensível. Eu sou “intolerante” porque abomino a destruição da família, como ele quer propor, de forma irresponsável? Lamento, há certos princípios que são irrenunciáveis. Se o dito professor do Cesupa não entende isso, paciência. Não dá pra ser completamente educado com tantas declarações inconsequentes.

“Tem mtas pérolas no texto dele, para mim as principais são quando ele diz que a noção de 'liberdade" é destrutiva no ocidente; que o direito moderno que andré citou é um "modismo"; que "existem" postulados morais "genuínos (embora sequer os cite, ou explique essa noção de genuíno que ele repete ao logo do texto);a maneira como ele descreve o problema do suicida, e, pelo menos para mim, de acordo com ele o suicidio deveria ser proibido (na vdd ele fala isso qdo "aborda" o suicidio assistido.);”

Priscila apela a um expediente desonesto chamado “falácia do espantalho”. Ela não critica a mim, necessariamente, mas a uma caricatura que inventou de mim. Primeiro, eu especifiquei porque a liberdade moderna é destrutiva ao ocidente. Pela simples razão de que a liberdade sem regras, sem ordem, sem disciplina ética e moral, pode legitimar qualquer ação humana, inclusive, a mais aberrante. Por que será que o professor do Cesupa chegou às tolas conclusões de que incesto e poligamia podem virar status de casamento? Pelas mesmas razões que a liberdade sem critérios e fins éticos objetivos pode justificar qualquer outra prática abominável. Afirmar que o alardeado “direito moderno” é um modismo, um capricho ou uma agenda política é a coisa mais óbvia do mundo. Aliás, Priscila demonstra um horizonte jurídico muito estreito em achar que a universidade brasileira representa algum “direito moderno” que se preze. Sinceramente, não dou a mínima para conceitos como “modernidade” ou “progresso”. São apenas idolatrias do tempo. 

Quanto aos aspectos da ética e da moral genuína, eu expliquei nos artigos anteriores. Não vou me delongar aqui. Contudo, Priscila afirma que eu sou a favor da proibição do suicídio. Das duas uma: ou ela não leu o que escrevi ou simplesmente leu com muito ódio e não conseguiu entender o que foi escrito. Um tranquilizante seria bom para a moça. Em nenhum momento disse que o suicídio deve ser juridicamente proibido, e sim que a nossa moral vigente não o aceita por invalidar o direito à vida, ainda que a prática não seja criminalizada. E o tal “suicídio assistido” é um crime tipificado pelo direito penal. Eu não posso ajudar alguém a se matar, por ser também um homicida. Será que Priscila também ignora esse mero detalhe?

“Não posso deixar de comentar a passagem que ele cita Aristóteles e a prudência em questões morais como , de acordo com ele, um argumento contra o "relativismo" do André. É engraçado, pois, a prudência para Aristóteles está relacionado a uma noção particularista da ação moral, a prudência é utilizada pelo sujeito quando não existe resposta correta para determinada ação moral, ou seja, em situações em que a ação não pode ser universalizável”.

Que besteira! Aristóteles é claro quando fala dos princípios gerais da justiça e da mediania aplicados à ética. O que Aristóteles discute é como essas questões de princípio se aplicam aos casos particulares. A prudência é justamente a aplicação do princípio da mediania e da justiça à realidade particular e imprevisível das relações humanas. Querer transformar Aristóteles num relativista faz da Priscila ou uma pessoa que não leu Aristóteles ou simplesmente não o entendeu.

“Existe uma grande discussão entre os especialistas sobre o problema entre particularidade e universalismo em Aristóteles, mas, a grande maioria dos comentadores concorda mais com a primeira do que com a segunda, pois, como a ética e a política são problemas da razão prática, "não se pode" falar em universais como a filosofia primeira”.

Que asneira! Em nenhum momento Aristóteles reduz a razão prática e uma arbitrariedade particularista ou subjetivista. Pelo contrário, ele é perfeitamente claro em definir o que é a ética, quais são seus princípios e como eles são aplicados na realidade prática. Aliás, a discussão sobre o problema da particularidade do direito e seu universalismo é algo que existe desde os primórdios da filosofia, passando pelos gregos e chegando nos medievais. O que dona Priscila e seu camarada professor pregam é a completa negação da universalidade do direito. Ou melhor, a redução dessa universalidade a meros “consensos”, “palpites”, “tendências”, sem quaisquer fundamentos na racionalidade objetiva e no bom senso.

“O que Aristóteles faz são apenas restrições universais em determinadas ações, como o assassinato, pois, não é possível achar uma justificativa, em nenhuma situação para isso”.

Priscila certamente não leu Ética Nicômaco. Ou se leu, foi uma baita orelhada sobre o livro. Aristóteles é bastante claro quando discute no início de sua obra a respeito do bem. Quando ele afirma que a ética é a prática visando algum bem, já está determinando um princípio geral. Quando ele afirma que a justiça é o elemento mais cabal da ética, e que inspira a mediania da conduta e a prudência, ele também sujeita a razão prática a um princípio, embora esse princípio não seja exato ou quantificável.  O conflito geral da ética, como do direito, é a aplicação abstrata de princípios gerais de justiça sobre circunstâncias particulares.  É neste sentido que Aristóteles debate a ética. A menininha precisa estudar mais ao invés de emitir opiniões estapafúrdias sob efeito da TPM.

“Mas, tudo bem, ele pode dizer que eu sofro de "academicismo decadente" por não concordar com a leitura ignorante que ele faz de Aristóteles e achar uma absurdo citar um filósofo desse calibre dessa maneira”.

A minha leitura de Aristóteles é dos próprios textos do filósofo e também de Giovanni Reale. A interpretação da Priscila sobre o assunto é puro palpite.

"Tampouco a prudência se ocupa apenas com universais. Deve também reconhecer os particulares, pois ela é prática, e a ação versa sobre os particulares. É por isso que alguns que não sabem, e especialmente os que possuem experiência, são mais práticos do que outros que sabem; porque, se um homem soubesse que as carnes leves são digestíveis e saudáveis, mas ignorasse que espécie de carnes são leves, esse homem não seria capaz de produzir a saúde; poderia, pelo contrário, produzi-la o que sabe ser saudável a carne de galinha".(Etica a nicomaco cap VI 1141b 15-21).

Estou apenas enfatatizando o que escrevi no post anterior, pq quero mostrar para o tal Conde que ao invés dele ficar fazer vídeos e escrevendo textos medíocres na internet achando que sabe alguma coisa, querendo citar com propriedade filósofos, é melhor que ele pare e vá estudar”.

Priscila acabou de confirmar tudo o que eu disse sobre Aristóteles. Os princípios da ética são dinâmicos, não são eivados de exatidão, porque estão na seara das relações humanas, que são imprevisíveis. A razão prática é o uso de princípios gerais da justiça, do equilíbrio da conduta e da mediania dentro de cada circunstância específica. Aristóteles chega a afirmar que a justiça é a virtude moral por excelência. Como a ética pode carecer de princípios orientadores da conduta humana? 

“Por que sim, o nosso treino na "academia decadente" nos dá ferramentas para perceber a quantidade de erros que você comete em apenas 1 parágrafo. E é por causa da sua falta de leitura e estudo comprometido que você sequer entende o que está sendo discutido.PS; quero deixar claro que sequer sou especialista em Aristóteles, mas, tive vários professores especialistas membros da decadência que me ensinaram, especialmente, a não falar do que não sei”.

Ao invés de Priscila acreditar pia e fanaticamente nos seus professores, que tal começar a ler Ética Nicômaco e parar de falar abobrinhas?

“Acrescento ainda a parte, (por ele convenientemente editada, óbvio) de quando o André diz por que não é válido que ele use o argumento da "família natural" ou da proteção dos descendentes. E ainda, depois que o André citou a proibição de casamento inter-raciais:: "O professor não sabe distinguir o que é uma “família natural” e o que é uma agenda política produzida pelo direito moderno.Expliquemos. O direito moderno, contaminado pelo positivismo jurídico, pelo relativismo e pelo marxismo cultural, parte do pressuposto de que a realidade pode ser modelada pelas leis e pela engenharia social" Ah claro, casamento inter-racial faz parte de uma "agenda política". Meu coração pula uma batida toda vez que escuto alguém falar em "marxismo cultural" como se fosse teoria, ou, ainda um argumento, de fato, válido. Sério, vai estudar cara”.

Priscila apelou aqui para o mau caratismo extremo. Não posso usar outras palavras para descrever o nível de desonestidade e baixaria que ela chegou ao afirmar, sutilmente, que eu seja contra os casamentos “inter-raciais”. "Família natural" é um princípio universal, aberto a todas as culturas e indivíduos. Como ele pode ser equiparado à segregação racial ou ao impedimento racial ao casamento? 

Expliquei na resposta ao professor, que casamentos “inter-raciais” são bem mais naturais do que ele presume, pois existem em várias fases da história humana. Gregos se casavam com romanos, brancos se casavam com negros, judeus se casavam com gentios e isso nunca foi escândalo no âmbito da estrutura essencial da família. Na pior das hipóteses, os escândalos tinham natureza religiosa ou cultural, mas nunca familiar. Ninguém afirmaria que duas pessoas de culturas diferentes seriam “antinaturais” por se casarem entre si, salvo por fanáticos racistas do século XX. A Cristandade sempre aceitou casamentos de grupos diferentes, contanto que os diferentes aceitassem os postulados doutrinários da Igreja. Judeus se casavam com católicos, islâmicos se casavam com judeus e ninguém questionou o elemento natural de família deles. Ninguém questionou o fato de um indivíduo ser filho de pai judeu ou mãe cristã. Ou um pardo ser filho de mãe negra e pai branco. Em suma, Priscila mente, colocando palavras na minha bica, insinuando um racismo que nunca defendi. Mas não custa nada aconselhá-la a tomar remédios, já que se o coração dela bate tanto assim, ela pode ter um infarto.

“Outra; a parte que para ele, só existe liberalismo clássico ou libertarianismo e ainda, confunde o argumento de André com utilitarismo : Rawls and Dworkin rolls on their grave”.

Eu não disse que só existem vertentes libertarianistas e clássicas. Eu disse que o professor do Cesupa segue uma lógica próxima do libertarianismo, embora com saladas de engenharia social típica do pensamento socialista. Dona Priscila precisa aprender a ler o que foi escrito e não criticar o espantalho que inventou para sua cabeça.

“Nunca vou me cansar de repetir: vai estudar. André, nem vale a pena refutar pq vc teria que escrever um manual de filosofia política para ele para ele começar a compreender o argumento, começando por aristóteles, é claro”.


Sempre é assim. Uma hora inventam espantalhos, outra hora dizem que não vale a pena refutar, porque simplesmente não têm o que refutar. Patética e a dona Priscila me ensinar Aristóteles. Se é que ela leu, a não ser através de orelhadas de google. 

Fonte: http://cavaleiroconde.blogspot.com/2013/09/discutir-com-papagaios-academicos.html

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