'Os Simpsons'
Está difícil...Se você não é das ‘letras jurídicas’, desculpe-me pela chateação do texto ao recair em termos jurídicos.
Porém, vale para todos os cidadãos, observar o que interpretações podem fazer com a vida em sociedade, mormente em período onde a banalização pela morte de uma pessoa encontra-se em patamares estarrecedores.
Você liga a TV ou abre jornais, internet e lá estão várias notícias de assassinatos, pelas mais variadas razões, em sua maior parte a demonstrar que ninguém mais teme a repressão e punição, para esse que é (ou deveria ser) o crime que afeta o bem mais precioso: a vida humana.
Segundo o Código Penal, matar alguém é crime: art. 121.
Ainda, segundo o mesmo artigo, o crime de homicídio ensejará uma pena maior, caso seja, entre outros fatores, cometido por ‘motivo torpe’ e ‘recurso que impossibilitou ou dificultou a defesa da vítima’.
É o que chamam de ‘homicídio qualificado’ e que, em razão da Lei nº 8.072/90, passa a ser considerado ‘crime hediondo’, onde entre as conseqüências mais significativas estão o cumprimento da pena em regime inicialmente fechado e progressão de regime (para o semi-aberto e aberto) após 2/5 (se primário) ou 3/5 (se reincidente).
No país do faz de contas e mazelas do sistema prisional, a verdade é que, caso o homicídio não seja qualificado, haverá a regra da pena mínima de 6 anos (Código Penal, art. 121, caput), iniciando-se no frouxo e fictício regime semi-aberto (conforme dispõe o art. 33, § 2º, ‘b’, do Código Penal) e, após 1/6 da pena (ou seja, após um mísero ano!) conforme art. 112 da Lei nº 7.210/84, o assassino irá para o aberrante ‘regime aberto’...
Isso mesmo: matou e não é qualificado, bastará um ano em um regime que sequer existe na maior parte do país (por abandono do Executivo e interpretações do ‘não intervém em atos do Estado’ pelo Judiciário) para que o assassino fique, tranquilamente, ‘indo assinar uma lista de presença no fórum’, as vezes mensal ou mesmo trimestral, como já constatei por diversas vezes!
Matar alguém, assim, realmente ‘não dá nada!’
Mas não são apenas as ‘leis’ que são ruins, já que as interpretações que postam delas fomentam sobremaneira a impunidade, sob argumentos dos que bradam no peito e dizem não poder fazer nada por ser essa ‘a vontade da lei’..
Aliás, eis um caso, diria (*respira!), interessante:
O magistrado da vara do tribunal do júri afastou as qualificadoras de um homicídio consumado e um tentado, por ocasião da apreciação das alegações finais, pronuciando o réu (‘decidindo que deverá ser levado a julgamento perante o júri popular) apenas por homicídio consumado ‘simples’ e tentado ‘simples’ ...
Recorrendo da decisão ao Tribunal de Justiça, eis os argumentos que mantiveram o afastamento das qualificadoras e, por alguns instantes, fizeram-me indagar quais as razões de se interpretar com lupa oblíqua e hiperbólica a favor do assassino e esquecer que a lei também é feita para proteção da vítima e sociedade...
Segundo consta na decisão, “não houve torpeza no cometimento dos crimes a ensejar a ocorrência da referida qualificadora, pois a sociedade não ficou tão abalada a ponto de justificar a qualificação do crime”.
O quê, não acredita?
Pois é..
E desde quando torpeza é ‘abalo da sociedade’?
Torpeza é o motivo baixo, aviltante, repugnante e que demonstra violação dos sentimentos que causam repulsa ao ser humano considerado em sociedade (está em todos – todos – os manuais, livros de Direito e Códigos comentados... todos! Basta abrir um que seja!)
E, para afastar as qualificadoras do recurso que dificultou a defesa das vítimas, que todo estudante de Direito escuta e aprende que seria a tal ‘surpresa’, eis a pérola:
“Também não assiste razão ao Parquet quanto à qualificadora do motivo que dificultou a defesa das vítimas.
É que o simples fato de as vítimas terem sido pegas de surpresa, desprevenidas, por si só, não justifica a ocorrência da qualificadora em questão’.
O quê?
Se as vítimas ‘foram pegas de surpresa’ e ‘desprevenidas’, isso é o quê, senhores julgadores?
Aí, para tornar o julgado mais...(*respira!) impactante, eis o fundamento complementar:
“O fato de as vítimas estarem desprevenidas ou desatentas não pode funcionar para qualificar o delito de homicídio, pois tal análise deve ser feita sob a ótica do autor do crime e não das vítimas”.
Ah, tá..
Então se ‘a ótica do assassino’ não for revelada por ele, esqueça tudo o que aprendeu sobre ‘qualificadora objetiva’, e ‘modo de execução’ (‘mediante’), pois o ‘simples’ fato do assassino matar alguém de surpresa não vale!
Eis, sinceramente, a prova do porquê não é apenas a legislação que fomenta a impunidade...
Caso queira ver o acórdão na íntegra, vá ao site www.tjms.jus.br, digite o número do processo (2011.006697-8) no espaço de ‘consulta processual’, em ‘2º grau’ e ao abrir, clique em ‘todos os dados’ do processo, havendo a decisão em ‘inteiro teor’.
Só espero que no caso da combativa juíza carioca Patrícia Acioli, tendo ela sido assassinada covardemente de ‘surpresa’ e ‘desprevenida’, a ‘Justiça’ não aceite a ‘tese’ acima apresentada e, por tal ‘interpretação’, queira indagar a Sua Excelência o criminoso qual era ‘sua ótica’...
Está difícil...
Fonte: por Fernando M. Zaupa, blog "considerando bem..."
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