Os Jogos Olímpicos de Munique, em
1972, deveriam ser os "jogos alegres". Mas foram ofuscados por um
terrível ataque terrorista. Onze atletas israelenses morreram, vítimas
do grupo palestino Setembro Negro.
A casa de Shaul Ladany, no vilarejo de Omer no deserto do Negev em Israel, parece um museu. Atrás dos vidros de uma vitrine se encontram incontáveis troféus de sua longa vida esportiva. Por todos os lados podem-se ver condecorações e diplomas pendurados nas paredes, entre eles, também recordações dos Jogos Olímpicos de 1972.
Ladany guardou tudo: a gravata em tons pastéis, os bilhetes de
entrada, as fotos e a fita de luto. Ele colou tudo num álbum grosso,
também as numerosas cartas que recebeu, muitas delas com o endereço
incompleto.
"Ao professor Shaul Ladany, participante olímpico, Munique 1972,
Israel", lê o ex-atleta, sorrindo em seguida. "Naquela época, eu não era
professor", acresce. Mas ele já tinha doutorado e, aos 36 anos, era o
atleta mais velho da delegação olímpica israelense de 1972.
Ataque terrorista na Vila Olímpica
Era a segunda vez que ele competia nos Jogos Olímpicos, na marcha
atlética. Hoje, 40 anos mais tarde, tudo está tão presente, para esse
engenheiro industrial de 76 anos, como se houvesse acontecido ontem. Sua
competição fora em 3 de setembro e, até o dia seguinte, seu mundo ainda
estava em ordem. Ao lado de toda a delegação israelense, à noite ele
assistiu a um musical, no centro de Munique.
Mas, nas primeiras horas da manhã do dia 5, foi acordado por um
amigo, com a notícia de que terroristas árabes teriam tomado como reféns
11 atletas israelenses dos dois apartamentos vizinhos na Vila Olímpica.
"Eu calcei rapidamente os tênis, fui sem pensar para a porta do
nosso apartamento e olhei para fora", conta o israelense. Diante do
apartamento vizinho, ele viu quatro policiais, incluindo uma mulher.
Eles conversavam com um homem de pele escura, de chapéu.
"Eu fiquei lá escutando e não reconheci o perigo da situação. A
policial pediu ao homem para deixar a Cruz Vermelha ter acesso aos
atletas. Ela disse: 'O senhor deve ter humanidade'. E ele respondeu: 'Os
judeus também não são humanos'. O homem não notou a minha presença,
então eu me retirei e fechei a porta", lembra Ladany.
Fuga da morte
Ladany, que em criança esteve no campo de concentração nazista de
Bergen-Belsen e sobreviveu ao Holocausto apenas por uma feliz
coincidência, lembra-se de tudo com uma impressionante clareza.
Inexplicavelmente, o apartamento que ocupava foi poupado pelos
terroristas. Eles haviam tomado como reféns os atletas e seus
treinadores nos dois apartamentos vizinhos. Dois reféns que resistiram
ao sequestro foram mortos logo no início do atentado. Ladany e seu
companheiro de quarto, no entanto, puderam escapar pela porta dos fundos
e manter-se em segurança.
Também Shlomit Nir-Toor não se esquece de nenhum detalhe. Ela
participou dos Jogos Olímpicos de 1972 como nadadora. Na época, tinha 19
anos e competia nas provas de 100 e 200 metros de nado de peito. "Não
posso afirmar que consegui um resultado extraordinário, mas estava
orgulhosa de representar o meu país, foi uma grande hora", recorda a
ex-nadadora.
No dia do atentado, ela se encontrava na Vila Olímpica. A princípio,
não percebeu nada do ataque dos terroristas israelenses, já que estava
alocada em outro prédio, na residência feminina. No dia seguinte, porém,
testemunhou juntamente com os outros sobreviventes o momento em que os
reféns foram levados para dois helicópteros.
Última imagem
"Lembro-me bem da última vez em que vimos os nossos amigos", diz
ela, com um olhar distante. Os atletas israelenses e seus assistentes
foram levados pelas autoridades alemãs para o nono andar de um edifício.
Da janela do prédio, os demais atletas viram os dois helicópteros
pousarem no gramado da Vila Olímpica. As aeronaves deveriam levar os
sequestradores e seus reféns para o aeroporto de Fürstenfeldbrück. De
lá, partiriam para o Cairo.
"Da janela do nono andar, vimos a chegada de dois ônibus. Do
primeiro, desceram quatro atletas com as mãos algemadas, amarrados uns
aos outros e de olhos vendados. Eles foram para o primeiro helicóptero.
Então, do segundo ônibus, desceram outros cinco reféns e subiram no
segundo helicóptero. Essa foi a última imagem que vimos. Apesar de estar
no nono andar, pudemos reconhecê-los nitidamente."
Algumas horas mais tarde, a delegação israelense recebeu a triste
notícia de que todos os nove reféns e um policial alemão tinham sido
mortos durante a fracassada operação de resgate no pequeno aeroporto,
além de cinco terroristas. Assim, um total de 17 pessoas, entre elas 11
israelenses, foram vítimas do atentado do grupo terrorista palestino,
que se denominava Setembro Negro.
"Os jogos devem continuar"
Shaul Ladany e Shlomit Nir-Toor escaparam do atentado. Dois dias
mais tarde, após uma breve cerimônia na Vila Olímpica, viajaram para
Israel, onde eram aguardados por seus familiares, amigos e por todo o
país. A jovem nadadora chorou na pista de pouso, ao ver os caixões das
vítimas serem retirados do avião. "Lembro bem quando descemos as
escadas. Os caixões viajaram conosco e estavam na pista de pouso. Nós
nos encontramos com os familiares dos mortos. Foi muito, muito difícil."
Em Munique, no entanto, as Olimpíadas tiveram prosseguimento. "Os
Jogos devem continuar", anunciou o então presidente do Comitê Olímpico
Internacional, Avery Brundage. Já na época Shaul Ladany estava
convencido de que esta era a decisão certa. Não teria sido apropriado
como exigido pelo governo da primeira-ministra israelense Golda Meir
interromper os Jogos e punir todos aqueles atletas que treinaram anos a
fio, investiram dinheiro e tempo e queriam mostrar como eram bons.
"Por que deveríamos puni-los? E por que deveríamos punir os
espectadores? Minha opinião na época era de que os Jogos deviam
prosseguir, e não mudei de opinião até hoje", comenta Ladany, que aos 76
anos de idade ainda treina regularmente, participando até de provas de
marcha atlética.
No entanto, ele também acha que um representante israelense deveria
ter ficado em Munique e preservado a memória dos atletas assassinados
durante os Jogos. "Um representante de nossa delegação deveria ter
entrado no estádio com a bandeira de Israel e a fita de luto durante a
cerimônia de encerramento", observa.
Cerimônias
Desde o atentado, há 40 anos, Ladany e Nir-Toor participam
regularmente de cerimônias em memória das vítimas e de reuniões dos
sobreviventes. Shlomit Nir-Toor, uma mulher bem-humorada e resoluta,
engajou-se pela introdução do minuto de silêncio oficial em lembrança às
vítimas de 1972 nos Jogos Olímpicos de Londres.
Mas nem ela nem as viúvas Ankie Spitzer e Ilana Romano conseguiram
convencer o Comitê Olímpico Internacional a prestar essa breve homenagem
às vítimas. Houve, de fato, cerimônias fúnebres e eventos memoriais à
margem dos Jogos e na Vila Olímpica em Londres, mas o exigido minuto
oficial durante a cerimônia de abertura foi negado aos sobreviventes e
aos parentes das vítimas.
"Nossos maridos vinham do país errado e pertenciam à religião
errada", disseram amarguradas as duas viúvas. Também Nir-Toor e Ladany
ficaram decepcionados. Mas eles não estão amargurados. Em vez disso,
Shlomit Nir-Toor está grata por a cidade de Munique ter aceitado sua
sugestão, construindo na área do Parque Olímpico um grande memorial, bem
visível, para os israelenses assassinados.
Revisão: Augusto Valente
Fonte: http://www.opovo.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário