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Cultura
A civilização parece ser a invenção de uma espécie agora extinta.Nicolás Gómez Dávila
Há uma plena percepção do que é certo e do que é errado na
consciência humana, e este é um dado universal, confirmado na análise e
na história dos povos e de suas culturas. Comparam-se os padrões e
preceitos, e lá está ela: uma lei eterna que a razão humana apreende.
Dela falou o apóstolo Paulo: “a obra da lei escrita em seus corações”
(Rm. 2:14-15). Ele não falava de cristãos, mas dos gentios, e por
extensão, de todo e qualquer homem.
Da presença dessa lei natural na consciência humana falaram Tomás de
Aquino, Calvino, e outros grandes teólogos e filósofos cristãos. Uma
abordagem interessante é a de C. S. Lewis em ‘A Abolição do Homem’, no
qual chamava essa lei natural de ‘Tao’ e aponta, citando sábios de
diferentes civilizações e ciclos históricos, para a presença manifesta
da defesa dos mesmos princípios morais. São chineses, egípcios,
indianos, gregos, judeus, babilônicos, nórdicos, saxões. Todos em plena
concordância. As diferenças existem, obviamente, mas há, sim, um grande
núcleo comum de princípios.
Antes que o militante laicista venha com aquela conversinha mole de
que “não preciso ser religioso para ser bom", aviso: nunca surgiu uma
grande cultura, uma grande civilização, sem uma religião forte. E a
queda do Império Romano foi, antes de tudo, a queda de uma cultura que
desprezou seus princípios fundantes. Dali, o ocidente cristão
floresceria; encerrava-se o ciclo greco-romano e pagão. T. S. Eliot
tratou dessa relação indissociável entre religião e cultura em suas
‘Notas para uma Definição de Cultura’. A própria decadência desta Europa
tida como pós-cristã e supostamente multiculturalista, mas que vai se
islamizando a cada dia é um exemplo disto, visível para qualquer
observador sensato. E tem mais. O próprio C. S. Lewis, em ‘Cristianismo
Puro e Simples desenvolveu um argumento para a própria existência de
Deus com base na moralidade. Se não existisse uma lei moral universal,
discordâncias morais não fariam sentido; necessariamente, essa lei
moral universal exigem um Legislador Moral, que deve ser perfeitamente
bom, justo, e preocupado com a conduta moral humana.
Resumindo: o mal te incomoda? Pois bem. Não haveria sede, se não houvesse a Água da Vida.
Um dos mais graves problemas de nossa época, advindo da total
imanentização do pensamento, dessa tentativa, sobretudo iluminista, de
restringir o conhecimento humano àquilo que é meramente material, é essa
rejeição não só da origem espiritual da moralidade, como do Legislador,
Deus; e daí, o corolário, com suas implicações terríveis para a
sociedade: o desprezo a todo este vasto campo comum da percepção plena
dos princípios éticos universais. Muito tem sido feito, e muito dinheiro
tem sido gasto para se destruir essa percepção, e a revolução cultural
promovida sobretudo pela Nova Esquerda nas últimas décadas é o mais
notório empreendimento neste sentido. A conquista da hegemonia cultural
por parte do movimento comunista tinha, já entre seus principais
proponentes, Antonio Gramsci, esse objetivo declarado: a modificação do
senso comum. Não é preciso dizer que tais revolucionários viam a fé
cristã como seu principal inimigo. E que há mesmo entre cristãos pessoas
apoiando esse projeto, e poucos se escandalizem com isso, eis um fato
que evidencia o quanto estamos mergulhados neste processo
revolucionário.
Aborto, gayzismo, feminismo, sexo livre, liberação das drogas e a
manipulação da linguagem com o ‘politicamente correto’ (aguardem o
infanticídio e a pedofilia, que virá disfarçada de “sexo
intergeracional” ou coisa assim). Tudo isso foi programado. Não só para
caçar e incriminar os cristãos e todo aquele que invoque princípios
morais universais, mas para negar fatos elementares da condição humana.
Para transformar todo e qualquer ser humano num robô dócil e obediente
aos mentores desse novo totalitarismo, que é sutil, hedonista e
idiotizante, elaborado pelos típicos intelectuais modernos que pretendem
não só remodelar a humanidade conforme seus umbigos, mas também
dominá-la.
Para concluir, deixo um trecho de ‘A Abolição do Homem’ (Martins
Fontes, 2005), livro no qual C. S. Lewis também tratou brilhantemente
das consequências da rejeição a essa lei natural gravada no coração dos
homens, e que tem, na atualidade, sobretudo nas classes políticas,
artísticas, e intelectuais dominantes, seus opositores mais fanáticos.
Nos sistemas antigos, tanto o tipo de homem que os educadores
pretendiam produzir quanto seus motivos para fazê-lo estavam prescritos
pelo Tao — uma norma que sujeitava os próprios professores e frente à
qual não pretendiam ter a liberdade da transgressão. Não reduziam os
homens a um esquema por eles estabelecido. Transmitiam o que tinham
recebido: iniciavam o jovem neófito nos mistérios da humanidade que a
todos concernia.
Exatamente como as velhas aves ensinando as novas a
voar. Mas isso vai mudar. Os valores agora são meros fenômenos naturais.
Juízos de valor serão produzidos no aluno como parte do
condicionamento. Qualquer que seja o Tao, ele será o produto, e não a
razão, da educação. Os Manipuladores se livraram disso tudo. É mais uma
parte da Natureza que eles conquistaram. A origem última de toda ação
humana já não é, para eles, algo dado. Eles a têm sob seu domínio —tal
como a eletricidade: é função dos Manipuladores controlá-la, não
obedecer-lhe. Sabem como produzir a consciência e decidem qual tipo de
consciência irão produzir. Estão fora desse processo e acima dele. Pois
estamos chegando ao último estágio da luta humana contra a Natureza. A
última vitória foi obtida. A natureza humana foi conquistada e
conquistou qualquer que seja o sentido que essas palavras possam ter
agora. Os Manipuladores, nesse ponto, estarão em condição de escolher
que tipo artificial de Tao irão impor à raça humana, segundo as razões
que lhes convierem.
(Artigo inspirado numa das últimas aulas de Olavo de Carvalho em seu Seminário de Filosofia, na qual o filósofo discorre sobre as questões tratadas no artigo 'Já notaram?'.)
Fonte: midia sem mascara
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