Dias atrás me encontrei com o amigo José Ricardo (Sgt Monteiro), idealizador do Universo Policial, ocasião em que ele perguntou por que motivo eu não estava enviando mais textos para publicação neste blog. Com muita sinceridade, respondi que havia duas justificativas: falta de tempo (ando dividido entre atenção à família, trabalho operacional, encargos administrativos, faculdade etc) e falta de assunto (já que não participo mais de ocorrências policiais complexas como outrora).
Pois bem, decidi abordar fatos simples que presenciei, os quais demonstram claramente a angústia cotidiana que acomete as famílias brasileiras. Assim, resumo três ocorrências policiais atendidas por minha equipe.
O primeiro caso trata-se de um crime de extorsão. Um jovem alcoólatra e usuário de drogas ameaçou espancar o próprio avô, caso este não lhe entregasse R$ 50,00 para sustento dos vícios. O idoso chegou a abandonar a própria casa e foi morar noutra cidade em virtude das reiteradas agressões que lhe foram infligidas pelo neto. Não adiantou, pois o adolescente foi atrás do avô em busca de dinheiro fácil. Autuado em flagrante na Delegacia, o jovem foi recolhido para o presídio local. Posteriormente, recebi a notícia que a vítima reuniu todas as suas economias para pagar um advogado e retirar seu algoz o mais rápido possível da cadeia.
No segundo episódio, estive numa casa para atender uma invasão de domicílio. Ao final da diligência, restou apurado que não houve invasão, mas sim que o cidadão que acionou a polícia estava tendo “visões” em decorrência de uso imoderado de bebida alcoólica associada a fartas porções de cocaína. O delirante rapaz desferiu golpes de facão na porta da casa e ameaçou matar a esposa, pois acreditava que tinha visto outro homem dentro da residência e suspeitava ser este um amante da mulher. Enquanto tentava persuadir o jovem, no sentido de desarmá-lo, notei que toda aquela cena fatídica era presenciada pela filha do casal, que tinha apenas dois anos de idade. Após horas de procedimentos policiais, a mulher desiste de representar a queixa contra o marido e ambos voltam juntos e apaixonados para casa.
Por último, cito um fato envolvendo uma adolescente de doze anos. A menina perdeu a mãe (assassinada pelo marido) quando ainda era criança. Atualmente mora com o pai e a madrasta. Fomos chamados por uma diretora escolar, porque essa adolescente comparecia no educandário, mas não assistia às aulas. Ela ficava perambulando pelo pátio. Durante breve diálogo com a menor, percebemos que um misto de revolta e dor exalava dos seus poros. Ora ela gritava, ora ela chorava. Ela não queria estudar, nem voltar para casa, muito menos ouvir meus conselhos. Disse-me que estava morando na rua porque o seu pai é ébrio habitual e constantemente a agride. Sem alternativas, levei a menina para o Conselho Tutelar, onde fui informado que aquele órgão estatal nada podia fazer, pois a adolescente era “problemática” e “atrevida”, motivo pelo qual sofria correção enérgica por parte do pai (traduzindo a frase da conselheira: ela é folgada, por isso é agredida). Certo é que a moça foi obrigada a voltar pra casa e eu não consegui estabelecer a ordem natural dos fatos. Eis a minha dúvida: “A adolescente é agredida porque é atrevida ou ela é atrevida porque sempre sofre agressões”.
Veja que há algo em comum nesses tristes exemplos. Todos tratam de conflitos familiares, que têm como pano de fundo o abuso de álcool e drogas. Fica evidente ainda que as nossas difíceis e dispendiosas providências policiais foram inócuas. Isso nos leva à conclusão que as lides surgidas dentro dos lares brasileiros constitui a força motriz da maioria dos problemas que afetam a sociedade. Não há escola, organismo policial ou qualquer instituição pública que consiga reverter completamente os danos físicos ou morais oriundos da desagregação familiar.
O assunto é digno de lamentações e merece profunda reflexão, como o fez o filósofo Chaïm Perelmam: “A humanidade, que à míngua de encontrar um guia nas filosofias de inspiração racional, tem de abandonar-se à irracionalidade, às paixões, aos instintos e à violência.”
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Autor: Nivaldo de Carvalho Júnior - 3º Sargento da Polícia Militar de Minas Gerais e bacharelando em Direito pelo Centro Universitário de Sete Lagoas/MG.
Fonte: blog Universo Policial
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