Artigos - Conservadorismo
“A religião não só é a condição da liberdade eficaz do pensamento, como é a condição da função hígida do pensamento”.Fernando Pessoa
Chamo a vossa atenção para um ensaio de Thomas Bertonneau (parte I, e parte II) que se centra em T.S. Eliot e na cultura, neste caso, na cultura ocidental. Aconselho veementemente a sua leitura.
A tese principal do ensaio é a de que não é possível uma cultura sem religião. Aqui,
 “cultura” é entendida como cultura antropológica, e não como cultura 
intelectual em sentido estrito. Portanto, e melhor dizendo, não é 
possível a formação de uma cultura antropológica sem uma religião. 
Podemos discutir se essa religião é A ou B, se deve ser esta ou aquela, 
mas devemos aceitar como racional a proposição segundo a qual não é 
possível a formação de uma cultura antropológica — e a sua manutenção 
como instrumento de coesão social — sem uma religião.
Montesquieu estava certo quando afirmou que “se Deus não existisse, teria que ser inventado”.
 E o problema da nossa sociedade moderna é o de que os deuses que se 
inventaram para substituir o Deus da religião cristã, são deuses humanos
 — e por isso coloca-se o problema das autoridades de direito e de fato,
 não só na ética mas também na fundamentação das normas do Direito. 
Quando os seres humanos pretendem fundamentar a ética sem Deus, criam 
para si mesmos um problema enorme e irresolúvel, como podemos verificar 
na eterna polêmica, sem fim à vista, entre os dois tipos de ceticismo da
 modernidade: o ceticismo de Hume (externalista) e o de Kant 
(internalista).
A tese de Eric Voegelin do ataque dos gnósticos modernos - leia-se: gnósticos modernos, elites modernas, ou a chamada “ruling class”-
 à cultura antropológica europeia e ocidental, tem como fundamento a 
ação propositada e deliberada de destruição, por parte das elites 
modernas e contemporâneas, da espiritualidade humana presente na cultura
 antropológica, a qual advém da própria religião que contribuiu 
decisivamente para a formação dessa mesma cultura antropológica.
As
 elites gnósticas modernas justificam o seu ataque feroz e destrutivo à 
cultura antropológica e, portanto, à religião cristã, mediante o 
conceito de “igualitarismo”. Mas este argumento é contraditório em si 
mesmo, porque a noção de “elite” é, por sua própria natureza, 
não-igualitarista. Segue-se que o argumento do igualitarismo é apenas e 
só um pretexto de que a elite se serve para prosseguir uma agenda 
política de destruição da espiritualidade e da religião que cimentam a 
cultura antropológica do ocidente.
Tal
 como aconteceu com os gnósticos da antiguidade tardia, o objetivo dos 
gnósticos modernos é o de fraturar a sociedade em duas categorias de 
pessoas: os novos “pneumáticos” — os que, alegadamente, detém o 
conhecimento e o saber, e por isso, destinados à “salvação” — e os novos
 hílicos, que constituem a maioria e também a “escória da sociedade” — 
são os que precisam ser guiados, como se de animais irracionais se 
tratassem, porque se presume não têm salvação possível. Este maniqueísmo
 gnóstico é “desmontado” por T. S. Eliot no ensaio de Thomas Bertonneau,
 quando se coloca em causa a autoridade do saber e o conhecimento dos 
gnósticos modernos, e na medida em que a especialização acadêmica não é 
sinônimo de saber e de conhecimento absolutos: a especialização é apenas
 e só um saber parcial.
A
 sub-ideologia igualitarista, que faz parte do politicamente correto do 
nosso espírito do tempo, nada mais é do que a tentativa de formatar a 
sociedade gnóstica que não vingou na antiguidade tardia por ação 
contrária do Cristianismo — sublinhando uma clivagem social e cultural 
abrupta entre as “bestas” [o povo], por um lado, e os “tios”, sendo que 
estes últimos fazem parte da ruling class. A actual ruling class não é uma aristocracia propriamente dita, tal como existiu no Ancien Regime, porque embora a aristocracia seja composta por indivíduos, qualquer indivíduo da aristocracia do Ancien Regime estava
 intimamente ligado ao povo mediante a cultura antropológica que é comum
 e transversal à sociedade inteira — o que não acontece hoje com as 
elites: pelo contrário, as elites modernas revoltaram-se contra o povo, em nome de um paternalismo em relação ao povo.
É
 dentro deste espírito de segmentação das sociedades ocidentais entre os
 “tios” gnósticos e minoritários, por um lado, e as “bestas” 
maioritárias, por outro lado (sendo que os primeiros se opõem 
deliberadamente aos segundos quando pretendem a destruição da cultura 
antropológica) que assistimos à sinificação das sociedades ocidentais; e
 esta tentativa de sinificação das sociedades ocidentais encontra eco num compromisso tático entra a plutocracia globalista, por uma lado, e a esquerda radical e gnóstica por excelência, por outro lado.
“O
 princípio do regime totalitário é a fé dos militantes e o medo dos 
dissidentes” (Raymond Aron em 'Democracia e Totalitarismo', 1965).
Para além do argumento do igualitarismo, os gnósticos modernos, aka,
 elites modernas, utilizam um outro argumento: o argumento dos “direitos
 humanos” que, alegadamente, justificam hoje o ideário da absoluta 
autonomia do indivíduo.
O francês Marcel Gauchet —
 que de conservador tem quase nada, e portanto, é insuspeito — chamou à 
atenção para esta estratégia dos gnósticos modernos no seu livro “Os Direitos Humanos Não São Uma Política” (1983).
Nas chamadas democracias liberais ocidentais, as elites gnósticas modernas e coevas [ruling class]
 servem-se da bandeira dos Direitos do Homem para irem aumentando 
paulatinamente a organização burocrática da sociedade por intermédio do 
combate às tradições e à religião; e essa organização burocrática em 
crescimento é tutelada por essas mesmas elites neognósticas. Este 
incremento da burocracia nas democracias liberais (por exemplo, na 
imposição da burocracia da União Europeia a todas as democracias da 
Europa) conduz a um anonimato generalizado (atomização da sociedade), em
 que o conhecimento social de todas as espécies possíveis e imagináveis 
de direitos e liberdades (por exemplo, no Bloco de Esquerda) têm como 
contraponto o retraimento narcísico do indivíduo, e o seu desinteresse 
pela coisa pública.
E
 a onipresente encenação da liberalização dos costumes (por exemplo, 
“casamento” gay, adoção de crianças por pares de homossexuais, 
eutanásia, divórcio unilateral e na hora, aborto a pedido e 
discricionário, tolerância legal em relação ao infanticídio, políticas 
dirigidas contra a família natural, etc.), defendida pela elite 
neognóstica contra a cultura antropológica que inclui naturalmente a 
religião, encobre a propensão para um mimetismo, um seguidismo e um 
conformismo sem precedentes, e que constituem, em si mesmos, um rastilho
 para a explosão de um novo tipo e, por isso, inédito, de totalitarismo.
Chegamos
 a um ponto em que vamos ter que reaprender a cultura antropológica e a 
História que as elites modernas e gnósticas tudo fizeram para destruir. E
 a religião, principalmente a religião católica, tem um papel histórico e
 único a desempenhar neste caminho necessário de reaprendizagem da 
cultura antropológica e da herança histórica, sem as quais entraremos 
inexoravelmente em uma nova era totalitária.
Adendo:saiu uma terceira parte do ensaio de Thomas Bertonneau.
Publicado originalmente com o título Se não pararmos para pensar, vamos ter que aprender tudo de novo.
Orlando Braga edita o blog Perspectivas – http://espectivas.wordpress.com
via midia sem mascara 
 
 
 
 
 
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